O sentido da vida
Um dia, num passado que já está amarrotado na memória, Júlia, então com apenas oito anos, estava instalada muito à vontade em sua infância, deitada sob a sombra de uma árvore, com papéis e lápis de cores, enquanto a primavera se despejava ensolarada sobre nós.
Ali, absorta em sua atividade, ela rasgava traços coloridos em casinhas verdes, flores azuis, sóis lilases, animais amarelos com sete pernas e outros tantos adereços num mundo que ela criava ao sabor maroto de sua imaginação infantil.
Eu, quase cochilando, estava recostado à sombra, com doces lembranças que haviam se refugiado em meu paladar, depois de ter chupado algumas laranjas-lima. Ali, me deixava embalar pelos movimentos despretensiosos das pessoas que passavam pelo parque, enquanto meus poros aspiravam com prazer a brisa mansa que, por instantes, espalhava sutil refrigério no meu corpo indolente.
Eis que, sem qualquer aparente provocação, Júlia me indagou se Deus existia. Sem denunciar meu sobressalto pela inesperada pergunta, respondi simplesmente que sim. Ela persistiu em sua curiosidade e disse que, se não se podia vê-Lo, como eu havia de ter tanta certeza. Fiquei por instantes a fitá-la, enquanto pensava numa forma de traduzir uma resposta que fosse assimilável àquele espírito ansioso por saber dos mistérios da vida.
Informei que lhe responderia, porém, antes era necessário que ela me fizesse um favor. Retirei alguns trocados do bolso e lhe pedi que fosse até a banca de flores que ficava do outro lado do parque; que lá comprasse uma rosa vermelha e que a trouxesse para mim. Sem compreender o que se passava, mesmo assim, Júlia atendeu ao meu pedido e, segurando com firmeza o dinheiro na mão, saiu saltitante pelo gramado em direção ao florista.
Enquanto ela se desincumbia da tarefa que lhe dei, tomei uma de suas folhas de desenho e, tanto quanto minha habilidade assim o permitiu, desenhei uma rosa, com pétalas detalhadamente vermelhas; caule, galhos, folhas e espinhos em diferentes tonalidades de verde. Coloquei o desenho novamente sobre a pilha de papéis e esvaziei a caixa de lápis sobre ele.
Ao retornar, Júlia entregou-me a rosa e tornou a acomodar-se perto de onde antes desenhava. Ao sentar-se, notou a flor que eu representara no papel. E perguntou-me porque eu havia desenhado uma rosa. Então, lhe respondi que não havia feito o desenho. Comentei, com tom espantado, que ao tentar pegar a caixa de lápis de cores eles haviam caído todos sobre as folhas de papel e que, por acaso, seu impacto sobre as folhas havia deixado impressa aquela imagem.
Ela olhou-me com aquele jeito que só uma criança tem para ironizar sem maldade. Franziu os olhos, abriu um sorriso que mostrava os dentes de leite faltantes e, com as mãozinhas na cintura, ralhou de brincadeira comigo. "Ora!" – disse ela – "Não é verdade! Os lápis sozinhos não conseguem desenhar. Só pode ter sido você!"
Dito isso, devolvi-lhe solenemente a rosa que ela comprara e respondi-lhe com o mesmo ar irônico. "E esta rosa, então? Não é possível que tenha surgido do nada! Alguém deve tê-la criado! Como nenhum homem pode fazer surgir do nada uma rosa, eu lhe digo: só pode ter sido alguém muito mais sábio e poderoso. Tanto quanto você não me viu desenhando no papel, mas tem certeza que fui eu, assim eu nunca vi quem criou a rosa de verdade, mas só pode ter sido Ele. Eu o chamo de Deus!"
Júlia, com a simplicidade das mentes puras, tornou a fazer-me nova pergunta. "E porque ele criou a rosa?".
Eis uma pergunta para a qual eu não tinha resposta. Como poderia eu – ou quem quer que fosse – explicar-lhe o sentido da vida. Então, lhe respondi com a mesma simplicidade com que fui questionado. "Ele criou a rosa pelo mesmo motivo que você desenhou seus bichinhos no papel".
Ela franziu o cenho e seu olhar, de repente, perdeu-se ao longe enquanto tentava absorver o sentido do que eu lhe dissera. Antes que ela continuasse aquela inquisição que me encurralou em minhas próprias dúvidas existenciais, retirei outros trocados do bolso e sugeri que fosse comprar um sorvete.
Enquanto ela saiu comemorando, mais que depressa, recostei-me novamente e fingi ter caído em sono profundo, torcendo para que, um bom tempo depois, quando eu abrisse os olhos novamente, a curiosidade de Júlia tivesse ido passear por outras paragens.
Afinal, uma rosa não pergunta a Deus porque lhe foram dados os espinhos e o perfume.