Poesia em construção
Há um imóvel de família que, apesar de desocupado por um bom tempo, necessitava de alguns reparos para que pudesse ser colocado novamente no mercado para a locação ou venda. Após reunião familiar, daquelas regadas a cerveja durante um churrasco dominical, o encargo quanto aos tratos com o dito imóvel ficou sob minha responsabilidade.
Ato contínuo, procurei Seu Henrique, um mulato forte e risonho que me prestou valiosos serviços enquanto pedreiro em outras oportunidades. O homem é de formação simples, mas de competência incontestável em seu ofício, além de ser uma raridade no mercado já que é obsessivamente honesto.
No final de semana que se passou, fui visitar a obra em construção, pois mesmo sabendo que Seu Henrique lá não estaria, é habito dele deixar recados solicitando material ou dando conta do andamento do serviço – quando não, para pedir algum dinheiro por conta.
Dito e feito! O que encontrei, logo ao entrar, foi um bilhete escrito com sua letra desenhada com esforço em um pedaço de folha de caderno, devidamente dobrado ao meio e endereçado a mim. Colhi o papelucho do chão, desdobrei-o e ali encontrei a seguinte mensagem:
“SUA CASA ESTÁ UM POBREMA
PORTAS EMPERRADA
E JANELAS SEM DOBRADISSA
SEM ESPERANÇAS DE APROVEITAR REBOCO
DENTRO ESTÁ TUDO DESCASCANDO
SEM VOCÊ DAR MAIS R$500 NÃO DÁ PRA CONTINUAR
FALTA MUITO PRA ACABAR O SERVISSO
DE MINHA PARTE ERA O QUE TINHA PRA DISER
ALMANHÃ EU VOLTO”
Registrei mentalmente tudo que ali estava e dobrei novamente o papel antes de guardá-lo no bolso da calça. Chegando em casa à noite, retirei o papel para rever o recado e percebi que o havia dobrado ao contrário e, naquela metade exposta à minha vista, vislumbrei o que segue:
“SUA CASA
PORTAS
E JANELAS
SEM ESPERANÇAS
DENTRO ESTÁ TUDO
SEM VOCÊ
FALTA MUITO
DE MINHA
ALMA”
Jamais poderia imaginar que em um canteiro de obras, em plena construção, iria encontrar uma poesia.