Álcool

Bebe e não é pouco. Passa em média apenas dez horas por dia em estado sóbrio, sendo oito horas dormindo e cerca de duas horas entre o banho e o café da manhã. Deixa sempre uma garrafa próxima ao telefone, muitas vezes ao lado deste.

Mora sozinho, mas nem sempre foi assim. Já foi casado e certa vez quase foi preso por bater na esposa. Ela retirou a queixa na delegacia antes que ele fosse indiciado e os dois se divorciaram. Não tem emprego? Sim. Hoje trabalha em uma loja de sapatos, porém já foi dono de uma empresa de consultorias, já teve até clientes russos e alguns alemães. O alcoolismo o fez perder o controle sobre os negócios, seus sócios então conseguiram, no tribunal, invalidar a sua parte na sociedade e ele perdeu tudo.

Acorda cedo não porque gosta, mas para ter tempo de entrar em todos os bares a caminho do trabalho. Sua função na loja é organizar todo o estoque de sapatos do depósito por marca, tamanho, cor, mais caros e mais baratos. Desempenha um bom serviço, sobrando tempo para desembrulhar a sacola escondida na bolsa contendo uma garrafa, às vezes duas.

Dentro do depósito ele tinha acesso a todas as informações omitidas pelo dono da loja como sonegação de impostos, mercadorias falsificadas e preços alterados. Sempre teve vontade de ganhar dinheiro com uma chantagem, ameaçar ligar para a Fiscalização Pública, no entanto sabe que não tem coragem de enfrentar o patrão.

Seu maior medo era ser descoberto se embriagando dentro do depósito. E foi. Demitiram-no. Nesse dia não voltou a sua casa. Chegou somente pela manhã, cambaleando, quebrando alguns objetos da sala como o cinzeiro favorito e um porta-retratos. Largou-se no sofá e deixou o chapéu cair ao chão. Viu ali uma garrafa em cima da mesinha do telefone. Alcançou-a, tomou três grandes goles daquele líquido e discou um número que havia decorado.

- Alô! – a voz saiu com dificuldade. – É da Fiscalização Pública?