Distração fatal

O carro seguia na marcha angustiante do congestionamento paulistano. Anda e pára, anda e pára. Isso só fazia agravar a ansiedade de Alexandre que, tamborilando nervosamente os dedos no volante, tentava disfarçar o nervosismo. Afinal, ali a seu lado, estava Renata que ele cobiçara durante semanas, cortejara durante dias e, depois de tanto empenho, agora se rendera durante um jantar a um convite para ir a seu apartamento. Ele, que tanto esperou por aquele momento, se via um tanto quanto aflito pelo instante desejado.

A moça, a bem da verdade, nunca esteve muito a fim de Alexandre. Há tempos percebera seu interesse e, durante dias, se fez de desentendida quanto às indiretas do rapaz. Uma mulher bem apanhada como ela, sempre tinha um revoar de cortejadores onde fosse e Alexandre, sinceramente, não era bem o tipo que ela mais apreciava. Aliás, segundo seu ponto de vista, ele parecia sensível demais, delicado demais, frágil demais; em suma, ela tinha sérias dúvidas quanto à verdadeira orientação sexual do moço. Entretanto, considerando que ela tinha sido esnobada por um sujeito que a trocou por outra, resolveu ceder aos insistentes apelos de Alexandre – presa fácil e sempre à mão – que , no mínimo, iria servir para restabelecer o status de seu ego de diva.

Enfim, o veículo chegou a seu destino. Em manobras sinuosas pela garagem do prédio, o carro encontrou o apertado nicho de chão que lhe cabia. Alexandre, sempre um cavalheiro, desligou a ignição e correu prontamente a abrir a porta do passageiro. Assistiu com disfarçado prazer a figura de Renata levantando-se, jogando os cabelos para trás e, em movimentos rebolantes, dirigir-se em direção à porta do elevador. Ela realmente era fantástica.

Logo que o carro estacionou, Renata, enquanto ajeitava a bolsa no colo para sair do veículo, ia pensando consigo mesma se tinha tomado a decisão certa. Pelo sim, pelo não, ensaiou mentalmente a postura sensual que sempre assumia de propósito quando queria chamar a atenção. Ela precisava de muita babação de ovo naquela noite. O selecionado para as funções de embasbacado estava ali e, agora, não adiantava mais se arrepender. “Vai o florzinha mesmo e seja o que Deus quiser!”, pensou tentando se consolar.

Chegando ao apartamento, Alexandre logo fez tudo como manda o figurino – pelo menos, do jeito que ele imaginou que fosse. Ofereceu assento estratégico a Renata na sofá, ligou o som colocando o CD do Adrea Bocelli, fez de conta que escolhia qual a garrafa de vinho iria abrir – apesar de só ter três e todas absolutamente iguais – e dirigiu-se à cozinha para pegar taças e o saca-rolhas. Consigo, ia imaginando a melhor forma de abordar sua princesa. “Será melhor eu ir chegando de mansinho pra ver como ela reage ou devo atacar com tudo de uma vez, para mostrar que sou ‘o cara’ e tenho tudo sob controle?” Perdido naquela dúvida atroz de quem se meteu em situação além de suas possibilidades, voltou para a sala de estar já com a garrafa aberta e as taças prontas para acolher a bebida.

A moça aguardava com mal disfarçada indiferença. “Já vi que esse cara é meio xongo mesmo. Que será que ele pensa? Que essa musiquinha vai fazer alguma diferença? Se eu quiser que algo role pra valer e que eu possa, ao menos, tirar algum proveito, é melhor assumir logo as rédeas desse jogo.”

– Gosto de ouvir Bocelli enquanto tomo vinho. Isso me lembra a Itália – disse Alexandre no intuito de parecer sofisticado.

– É?... – retrucou Renata, achando aquilo a maior babaquice do mundo. O sujeito parecia que nunca tinha ido além da Baixada Santista.

– Vamos brindar a esse nosso momento especial – disse ele enquanto oferecia uma das taças de vinho a ela.

Renata, não agüentando mais aquela embromação, deu um tapa na mão que lhe oferecia o vinho, jogando longe a taça que se estilhaçou em um canto qualquer, espalhando vermelho sobre tapetes e almofadas. Puxou Alexandre para o sofá e pulou sobre ele, remexendo os quadris em movimentos firmes, enquanto arrebentava todos os botões de sua camisa ao arranhar a pele branca de seu peito liso.

O coração de Alexandre disparou. Tomado de assalto, assustado como vítima de seqüestro relâmpago, demorou alguns segundos para situar-se no contexto. “Meu Deus! A mulher é uma fera! É hoje que me acabo com essa potranca” – pensou enquanto a excitação já mostrava seus sinais mais evidentes.

Ela, por sua vez, sentindo sob si a crescença de volume dentro das calças de Alexandre – efeito certeiro do ataque – já pré gozava o gosto da vitória. “Pelo menos essa joça funciona”.

O pretenso caçador tentou adaptar-se à sua recém definida condição de presa. Passou a acariciar o corpo de Renata com uma mão, enquanto tentava descobrir a melhor forma de arrancar os tecidos que cobriam seu corpo. Excitado, ia tentando, mais uma vez, traçar mentalmente um roteiro que lhe garantisse um bom papel. “Por cima? Por baixo? Com força? Delicado?”. Definitivamente, confiança não era o melhor predicado de Alexandre.

Tudo parecia que ia bem quando, de repente, surgindo num cantinho perto da porta de entrada, uma enorme barata profanou os limites sagrados da alcova. Alexandre a viu ali, parada, com as antenas em movimento, como que estudando qual a direção a ser tomada. Tudo isso acontecia às costas de Renata, que nem podia imaginar o que estava acontecendo.

“Caracas! E agora? E se ela vir essa barata e achar que o lugar é insalubre? O que vai pensar?” Num ato de desespero e atendendo aos clamores instintivos de auto-preservação da espécie, Alexandre tomou a primeira – e última – atitude efetiva. Desvencilhou-se do estupendo corpo seminu de Renata, levantou-se de supetão e, tomando-a pela mão, quase arrastou-a para o quarto.

A moça, que não esperava por aquela reação, até imaginou que houvesse alguma esperança para o rapaz. “Agora vai! Acho que ele estava escondendo o ouro! Quem sabe?”. Recolheu as poucas peças de roupa no chão e deixou-se levar.

Entretanto, chegando à cama, Alexandre mais aliviado, deitou-se e conduziu Renata à mesma posição que antes encontrava-se no sofá. E, ali, aguardou que as coisas continuassem a partir do mesmo ponto onde haviam sido interrompidas. Renata, meio decepcionada, voltou ao que estava fazendo. Agora, já não com tanto entusiasmo, mas de forma quase mecânica. “Já que chegamos até aqui, melhor ir até o fim” pensou ela tentando conformar-se.

O corpo de Alexandre, rapidamente, começou a arder de excitação, queimar de prazer e ele já estava quase pronto para consumar o ato. Mal dos amantes sem talento, ele não sabia tirar o melhor proveito do que vem antes e, com certeza, não iria saber como faze-lo satisfatoriamente durante.

Nesse instante, contudo, Alexandre percebeu que o diabo da barata tinha ido atrás deles no quarto. Ela estava no batente da porta e começou a avançar parede acima. Que desespero! “Porra! Isso é sabotagem! Essa coisa tinha de vir pra cá?” pensou.

Renata, alheia ao que acontecia, continuava em sua lida tentando não deixar que a noite fosse totalmente perdida. A bem da verdade, de olhos fechados, ela imaginava estar sobre o corpo daquele desgraçado que a havia desprezado. Isso era o bastante para excitá-la.

E a barata continuava sua inocente jornada. Subia pela parede em movimentos rápidos e intermitentes. Alexandre continuava de olhar fixo seguindo o curso traçado pelo inseto, temendo que ela viesse em algum momento para o ninho de amor. A barata subia. O barato de Alexandre descia.

Diante da “queda” de interesse de Alexandre, a mulher não se conteve. Levantou-se, vestiu-se e indignada disse:

– Você é mesmo um viadinho!!!

Quando ia dirigindo-se à porta do quarto, Renata olhou o vultinho escuro na parede. Parou sua marcha, dobrou delicadamente a perna para trás, retirou a sandália e sapecou sem dó o golpe de misericórdia na indefesa barata, dizendo, enquanto saía:

– Matei essa barata antes que você a visse e saísse pulando na cama de medo. Seu bundão!!!