Apetite psicopático
Já é meio-dia; este calor infernal de início de verão; eu transpirando às bicas; e o ventilador que não dá conta. Aliás, maldito ventilador que não refrigera e só faz espalhar esse cheiro que vem de você e que é tão forte que, em alguns, causaria náuseas.
Agora, vendo os retalhos de sua carne, seu corpo todo com a anatomia embaralhada, percebo o macabro cenário que foi montado em nome do prazer. Ah! Meu prazer antes de tudo!
Noto pedaços de você por todo lado; ossos saltando dos músculos; fibras desfiadas; a carne vermelha já retinta numa negritude mórbida.
Não sinto culpa! Afinal, sua vida não valia nada! Seu único valor só se destaca agora que a morte lhe cobriu a existência de algum sentido. Você, criatura obesa e fétida, cuja moral só serviu para lhe induzir a se afundar cada vez mais em sua própria sujeira, inerte numa preguiça congênita.
Perdi a conta de quantos pecados capitais você infringiu enquanto vivia. Você mereceu a morte e, confesso, estou muito feliz de encarar esse seu corpo dilacerado, serrado, rasgado e estraçalhado.
Que ninguém me acuse algum dia de ser cruel. Até porque, se há crueldade em mim, ela ainda pede um último requinte:
– Garçom! Falta a pimenta pra acompanhar a feijoada!