Decidi eternizar-me
Meu medo, casado com a madrugada friorenta e escura à espera do sol custoso que ainda se espreguiçava para o dia, avivara-se. Nada havia nascido. Olhar alheio do alheio que não me via, caía timidamente dentro dos versos pueris de minha espera. Contava os segundos e as horas de dor para ver o sorriso do seu choro planejado bem antes. Nunca havia lido essa história nas narrativas conhecidas. Ainda guardo na gaveta o retrato do jornal, onde tudo estava estampado para grande estranhamento de tantos. Havia dado certo. A história poderia ser contada agora.
Quando me casei com Lênia, já estava maduro. Tinha dez anos a mais que ela, com suas quase quatro dúzias de primaveras: faltavam-lhe três dias para aniversariar. Nossas núpcias foram dupla festa. Festejamos juntos o que poderia não vir pelos caminhos de sua majestade a natureza.
Lembro bem quando brotou em mim o tal desejo. Tive receio. Uma aura de mistério me envolveu. Minha coragem era o retrato do meu medo. Ela permanecia mansa, esperançosa, nada perderia de si para sermos mais de dois na Avenue Paratois, 26, Nice. Fazer-se essa arte médica era comum entre nós humanos.
Aproveitei para resolver tudo na segunda-feira. Programamos até o dia em que arrancariam o fruto da árvore mesmo antes de sabermos da semente. Preparei-me para isso, envolvido entre o medo e a esperança. A árvore tinha o mesmo sexo da semente e dela havia sido extraída.
Ela, para mim, não significa mais do que um cofre esquentado pelos encantos da natureza. Guardaria o que só de mim havia sido feito. Acorrentei um sapoti no seu pé de figo e paguei para que o guardassem e com isso a fruta estranha não apodrecesse. Quando poderia imaginar que um milagre superior ao de Sara de Isaac acontecesse à frente de meus olhos? Nunca! Vinte e três de janeiro de dois mil e quarenta e seis jamais me será um dia igual aos outros que vivi. Nasceu Damian de um pedaço de mim, posto a aninhar-se no útero de Lênia, cais de nossa união e desejo, para mais nada servir além desse casulo – falo da mulher.
Não me importa o que pensam os outros. Manchete de jornal, convite para entrevista, etc. Sou o velho-doador do clone mais bonito do mundo. Posso voltar para o Brasil. A França me deu a última coisa que queria dela. Retorno feliz. Nada mais planejara.
- Raul não pôde escrever o resto do conto. Seu funeral foi simples. Ela não pôde ir ao crematório. Ele continuou longe das terras do Brasil, acordado na virilidade de Damian, cópia física fiel que viria a ser o exatamente diferente do que fora ele como cosmonauta e homem simples.
O Instituto Gabois assumira o compromisso de clonar Damian quando o tempo contratual o exigisse. Tudo ficara acertado antes, como mais do que providencial. A ciência atrevida corria infrene sem olhar para trás. Corria..., corria..., corria.
A humanidade festeja os caprichos do seu descontrole. O homem cresce para ultrapassar seus próprios limites desejáveis. O velho volta a ser o novo no círculo de um “feed-back” que, longe de estancar-se na percepção que o próprio homem deveria fazer do reconhecimento do proibido, cresce estrondosamente. O deus-homem saiu das mãos de Deus, e o mundo abriga os frutos do descompasso furioso da ciência do mal. Iremos para um labirinto fúnebre que se fez maior do que nossas cabeças. Estamos a pescar um rio, dentro do ventre de um minúsculo peixe voador. É-se mais difícil morrer do que viver, agora.