A mensagem endereçada a tia Helen foi levada para o colégio em que seus filhos estudavam na periferia da cidade de Castro. Nesse dia Helen se deslocou para lá, a fim de tomar conhecimento do conteúdo da carta. As próprias professoras tiveram dificuldades não só de lê-la, como traduzir em palavras simples o conteúdo, como se imaginava não entendiam alguns vocábulos como também as citações dos lugares descritos. O mar, que só conheciam quando estudaram e ensinavam geografia, causou maior espanto, pela grandeza e sua formação, inacreditável. Copacabana que conheciam apenas dos noticiários das revistas, que lá chegavam, se tornou mais popular pela narração de Evinha e ensejo de conhecê-la.
O acelerado progresso de Evelim fez com que seus filhos começassem a pensar no curso de inglês, antes programado. Mais dois meses e ela teria condições de matricular-se na Cultura Inglesa ou Casa Thomaz Jefferson, dependia apenas da escolha. Para Pedro a Cultura Inglesa oferecia maiores condições do ensino da língua britânica, enquanto Artur relacionava à praticidade da Casa Thomaz Jefferson, o que por certo objetivaria melhor aproveitamento. Ia mais longe na Cultura Inglesa teria de estudar expressões idiomáticas, inúteis para falar e escrever inglês, o que lhe interessaria saber a formação daquele idioma ?
Ao iniciar o aprendizado de história do Brasil, Evelim se espantou ao notar que os grandes movimentos aqui surgidos originaram-se na evolução de idéias de outros paises. Todos ficaram admirados com aquela observação, ela atingira uma maturidade invulgar. Mesmo com a diversidade de afazeres, prosseguia no invulgar pragmatismo de ler tudo que chega às suas mãos. Dispensou o compromisso da tia Joana ir, quase diariamente, a casa onde morava com os filhos para fazer a comida, passou a executar essa tarefa, mesmo com o horário rígido das aulas e os estudos derivados dos exercícios. Conciliou todas as ocupações, mais admiração conseguiu. O único obstáculo era quando Simone e Solange iam visitá-la ou conversar sobre os conhecimentos gerais que já dominava, esse intercâmbio propiciava às duas informações úteis que serviriam ao vestibular que prestariam.
As reuniões sociais que comparecia acompanhada dos filhos tornaram-se constantes, porque os convivas gostavam de conversar com ela, por ser fonte inspiradora de novas informações e experiências. Em pouco tempo Evelim, embora ainda modesta, tornou-se alvo de todas atenções, graças a sua inteligência e poder de assimilar tudo que lhe fora aprendendo.
O amor de mãe pelos filhos era desmedido e cada dia que passava mais aumentava, os laços de carinho e afeição determinavam observações constantes de pessoas que conviviam com a família. A alternativa, dos filhos para com a mãe, se firmava cada vez mais, o reconhecimento do acerto que tiveram ao trazê-la do Paraná evidenciava-se na prosperidade e progressão educacional de Evelim. Ambos se ufanavam do acerto, mas nunca relegaram o reconhecimento às ditosas virtudes de Elizabeth, que contribuíram para suas formações.
Pedro e Artur sempre comentavam entre si, a inteligência da mãe quando ainda no leito do parto solicitou que ficasse com os dois juntos, não os queriam separados, que fossem criados por uma só família. Ficara comprovado o acerto do pedido.
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O MAU CARATER DE SALVADOR MIRANDA
O senso de observação do Sr.Martins quando do primeiro encontro que tivera com Salvador Miranda, conjeturando que o mesmo não lhe inspirava confiança, o que levara a afastar realização de hipotético negócio aventado pelo português, veio ter confirmação muitos anos depois.
A sorte atraiçoaria, muito mais tarde, sua filha Elizabeth, que embora sabendo da opinião do pai, contraiu núpcias com aquele cidadão, que a procurara oferecendo seus préstimos, ao saber do falecimento de quem o pusera à distância.
Salvador Miranda foi gradativamente conquistando a simpatia de sua mulher, que aumentou quando ela se manifestou em adotar uma criança para criar. Maior solidariedade teve quando permaneceu com Elizabeth em Curitiba visando alcançar tal objetivo, concluído ao assumir o pátrio poder dos gêmeos, tratando-os como verdadeiros filhos. Esses comportamentos fortaleceram os laços de confiança mútua do casal.
Entretanto, Salvador era casado em Portugal, portanto, tornara-se bígamo ao desposar Elizabeth. Aguardava apenas uma oportunidade para trazer Manoela, sua primeira mulher, em definitivo para o Brasil, lançando mão dos trinta mil cruzeiros emprestados pelos filhos adotivos, Pedro e Artur.
Elizabeth faleceu sem saber de toda essa tramóia de Miranda. Descoberta casualmente quando Salvador passou a freqüentar com Manoela o Clube Ginástico Português. Certa noite os dois estavam no Clube quando outro sócio e amigo de Salvador os avistou e teceu comentários: resolveu trazer sua esposa para o Brasil, correndo o risco, mesmo sendo aqui casado ou divorciou-se dela? Nada sabia da morte de Elizabeth. Outros circunstantes ouviram e passaram a serem sabedores que Miranda era bígamo.
Aqueles pormenores chegaram ao conhecimento de Dr. Azevedo, que já estava averiguando um empréstimo fraudulento, através de um contrato com um Banco, sendo dado em penhor e garantia o imóvel em Botafogo, da rua Bambina, onde os dois rapazes residiam com sua mãe e arrolados no inventário.
Uma vez mais, Pedro e Artur tiveram que ir ao escritório do Dr. Azevedo, que lhes colocou a par dos novos conhecimentos, informando-lhes as medidas judiciais que passaria a tomar.
Primeiro requereu ao Departamento de Migração do Ministério da Justiça, a qualificação completa de Manoela, quando ela entrou no Brasil. De posse do documento solicitou a Embaixada de Portugal que investigasse junto ao órgão competente daquele país o estado civil de Manoela. Sendo casada, qual o nome do cônjuge,
Fez distribuir competente ação anulatória do contrato empréstimo compromissado por Miranda, com o aval hipotecário do imóvel principal da mulher, Elizabeth, à época em que estava viva. A fundamentação era simples, antes da morte do Sr. Martins, ele teve o cuidado de deixar em testamento que os bens da partilha que coubesse a Elizabeth permaneceriam em uso-fruto dos netos Pedro e Artur, até atingirem a maior idade, logo não poderia nunca ser dado em hipoteca para garantia de empréstimo.
A dívida perante o Banco girava em torno de 250 mil reais, a qual se somariam juros e despesas bancárias e já estava vencida há cerca de cinco meses, porque Salvador conseguia renová-la para evitar a execução. Cessada as disponibilidades de Miranda, deixou de amortizar e reformar o título. Em conseqüência o Banco deu conhecimento ao inventariante e notificou Salvador para quitar o título dentro de dez dias. Passado esse prazo o Banco promoveu a execução da dívida, cumulando com a emissão de posse do imóvel.
Os rapazes não tinham aquela importância, nem dispunham de parte dela e estavam impedidos de solicitar à fábrica em razão do procedimento escroque de Salvador, que conseguira astuciosamente apropriar-se de 100 mil reais.
Parecia que começava a desabar o castelo erguido pelos dois irmãos. Artur concluiria o curso de engenharia dentro de três meses e o irmão Pedro continuaria o de medicina ainda por um ano. Um dos outros imóveis fora desocupado, mas precisava de pequenos reparos para a família ocupá-lo e as acomodações eram bem menores, distante das faculdades que os irmãos estudavam.
O pior seria informar a Evelim, ainda que parcialmente, os acontecimentos. E, o juiz deu a emissão de posse ao Banco, fixando um prazo de 30 dias para desocupação.
Dr.Azevedo entrou com vários recursos perante o Tribunal Superior e resolveu ir à fábrica comunicar-se com os diretores. Evelim sabedora dos fatos saiu de casa e foi aos mais expressivos hotéis de Copacabana em busca de emprego, Sua capacidade estava comprovada, sabia se expressar bem, tinha uma linda caligrafia, sua deficiência era não falar inglês ou outra língua e não datilografava. Apresentou sua carteira profissional, que embora constasse ser arrumadeira, demonstrara grande experiência na atividade hoteleira. Pediu a tia Joana que fosse à sua casa, sendo possível acompanhada do marido, Zeca, com quem pretendia conversar.
A fábrica, pelos seus Diretores, sensibilizada, manteve entendimentos com o Banco; amortizaria parcialmente a dívida e assumiria o aval de D. Elizabeth.
O mais luxuoso hotel de Copacabana, exatamente integrante de uma grande cadeia em todos Brasil, admitiu Evelim como encarregada geral dos serviços de infra-estrutura do hotel, que compreendia assistência e verificação da arrumação, cumprindo manter relacionamento com os hóspedes.
Tia Joana veio imediatamente, esperara apenas a chegada de Zeca do Sindicato, que como a mulher estranhou a inopinada convocação.
A conversa iniciou-se entre os três. Os rapazes estavam ausentes, o que facilitou Evelim. Esta, no entanto, manteve certa reserva, comentando em linhas gerais os acontecimentos e depois pediu a Joana para falar especialmente com Zeca, causando maior espanto. Dissera antes que fizera um teste num hotel famoso em Copacabana, passara, seria admitida como Chefe Geral dos Serviços de infra-estrutura.
A Zeca detalhou a situação financeira que estariam prestes a enfrentar, preocupava-se com a continuidade dos estudos de Pedro, pois os dispêndios no curso de medicina eram elevados. Lembrou que Artur praticamente estava por concluir engenharia. Quis saber de Zeca, sobre duas das suas aspirações: primeiro se ele com outros operários poderiam consertar a casa vazia da rua Homem de Mello no Leblon para onde se mudariam; depois quais as possibilidades de conseguir um lugar de engenheiro para o filho.
Zeca não se furtou a responder as duas averiguações, informando a Evelim que entraria de férias no início do mês, o que estava próximo, ia até a casa ver o que necessitava e solicitaria a dois ou três colegas capacitados para auxiliá-lo. Achava que não seria difícil atingir o objetivo pretendido. Quanto ao segundo aspecto da indagação, criou uma atmosfera de êxito, dizendo que era benquisto no estaleiro, principalmente perante os engenheiros chefes e o fato de ser diretor do sindicato da classe, dava-lhe ótimas condições de interceder naquele sentido. Acrescentando mais, não sendo possível no estaleiro que trabalho, conseguirei por certo em um dos demais, até mesmo no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro.
Evelim clamou por Joana, que aproveitou a oportunidade para passar um café, servido quentinho aos três; dizendo-lhe que seu marido informaria em detalhes o que conversaram.
Com a chegada dos filhos, a mãe apressou-se em colocá-los a par das providências que tomara e a razão de convidar tia Joana e o marido a virem até onde moravam. Os dois ficaram perplexos com as iniciativas da mãe, não demonstraram desagrado, acharam apenas que ela agira apressadamente, a situação não estava definida contra eles, a ponto de ser obrigado a contorná-la.
Ambos definiram uma situação, a senhora não vai parar de estudar, está indo muito bem, com excepcional aproveitamento e dentro de trinta dias estará estudando inglês na casa Thomaz Jefferson, terá, portanto, que conciliar os horários. Perguntaram à mãe se sentia falta de alguma coisa dentro de casa. Como a resposta foi negativa, reiteraram que ela não precisava ir trabalhar no hotel, mesmo havendo significativo ganho, seria mais útil e convincente que ela permanecesse em casa.
Evelim contra-argumentou eu estou em condições de ajudar vocês dois nas despesas, seguirei integralmente suas vontades na continuação dos estudos, até porque eu mesma tenho interesse em prosseguir.
Pedro e Artur consideraram ótima a idéia de solicitar a Zeca que fizesse um levantamento do material e mão-de-obra para os reparos indispensáveis na casa da rua Homem de Mello e aguardariam o orçamento que nortearia a iniciativa a ser tomada.
Aproveitaram para comentar que há muito tempo não saiam à noite, seria interessante que os três fossem a uma churrascaria jantar, justificável, pois, neste mesmo dia a um ano atrás conseguiram encontrar a mãe na subida da casa de tia Helem em Castro. Artur, sempre mais comunicativo, propôs que melhor seria um local que tivesse música, há muito Evelim não dançava. Essa concordou desde que as namoradas estivessem presentes e telefonou convidando-as, mas alertou a comemoração terá de ser comedida, sem gasto muito alto.
Foram num lugar aprazível que ela não conhecera, no Leblon, e Evelim recordou-se dos momentos felizes em Sta. Felicidade. Dançou com os filhos até cerca de 2 horas da madrugada. A música era diversa daquela tocada em Curitiba, predominou o samba e o forró, que ela não conhecia. Tornou-se mais difícil de se adaptar, aos poucos conseguiu seguir o ritmo, depois só tinha que revezar com Simone e Solange, os rapazes é que cansaram mais para dar conta de atender as três na dança.
Como em Santa Felicidade foi uma noite memorável, mais atraente pela presença das duas moças e das diferentes músicas que Evelim ouvira. Retiraram-se todos às 3 horas da madrugada, Pedro preferiu retornar de táxi em razão do adiantado da hora, e deixarem que as namoradas voltassem direto para casa, evitando dessa forma que as moças fossem primeiro a Botafogo e retornarem sozinhas para suas casa na Gávea.
Embora diante da negativa dos filhos, que era dispensável ir trabalhar no hotel, Evelim recalcitrou e às 13 horas se apresentou no serviço, um dos integrantes da mais famosa cadeia de hospedagem de Copacabana. Recebeu as primeiras instruções do gerente geral e rapidamente estava senhora de toda situação. Reuniu seus subordinados transmitindo como gostariam que eles executassem os serviços, transmitindo, desde logo, que não toleraria falhas, constatadas o causador seria substituído e colocado à disposição da gerência. Avisou, também, que o hóspede teria sempre razão, nunca poderia ser contrariado ou contestado no que desejasse. Aos seguranças advertiu que agissem com moderação, sem demonstrarem qualquer agressividade, somente em momentos extremos partissem para gestos mais bruscos, consultando-a, previamente, na medida do possível ou o gerente geral. Aos carregadores de bagagens tomassem cuidado com os pertences dos hóspedes, colocando-os no local próprio do apartamento, dessem instruções sobre o funcionamento da aparelhagem existente nos aposentos, como acionar o telefone, ligar o aparelho de TV e o ar condicionado e evitassem forçar o recebimento de “gorjetas”. Os empregados sentiram desde aquele momento que Evelim estava habilitada para a função.
Passado o primeiro mês, dominava todo o serviço e preparou um empregados para substituí-la em caso de necessidade. Foi exatamente o que aconteceu, a gerência geral a convocou para servir de interprete, em alemão, a um grupo significativo de turistas que chegou ao hotel. Saiu-se muitíssimo bem, nascendo desse sucesso dois significativos convites, difíceis de serem dirimidos: o primeiro foi da própria diretoria da cadeia de hotéis, para assumir a gerência geral do grupo, sem fixação do hotel que permaneceria, sendo o salário em cinco vezes mais do que vinha ganhando; o segundo foi de um daqueles turistas, que viera se fixar no Brasil, na direção de uma industria montadora de automóveis, sendo o salário pago em “dólares”, equivalente a três vezes mais que o salário oferecido pelo hotel, porém fora do Rio de Janeiro, próximo, contudo.
À noite reuniu os filhos para darem a eles conhecimento das duas propostas, embora julgasse que uma ou outra seria abandoná-los traiçoeiramente, no momento mais difícil que passavam na vida até aquele dia. Por outro lado, eles não concordariam, pois seus pensamentos eram que a mãe não precisava trabalhar, mormente porque achavam serem suas obrigações sustentá-la, por isso a trouxeram de Curitiba. Havia, todavia, uma realidade maior e mais explicita, a situação financeira causada pelo pai adotivo, ainda estava em julgamento, e Evelim já vinha ganhando três vezes mais que a soma dos proventos que eles recebiam.
Prevaleceu à negativa dos gêmeos, apenas concordaram que a mãe poderia permanecer à frente da gerência geral do grupo hoteleiro, sem se afastar do Rio de Janeiro, com esse procedimento continuaria os estudos, capacitando-a ainda mais para outras atividades.
Zeca em férias começou com três companheiros a reforma na casa da rua Homem de Mello, forneceu sucinta relação do material indispensável para o início das obras, prevalecendo apenas a mão-de-obra dos auxiliares, o trabalho dele não seria cobrado, o que Evelim reclamou e não aceitou.
O Dr. Azevedo reformou no Tribunal Superior as decisões de primeiro grau e, imediatamente, executou, com isso os gêmeos recobraram os imóveis, restava apenas a controvertida participação de Miranda no inventário e as correlatas indenizações que se dizia credor, face aos laços que uniram a Elizabeth. Todavia, o processo crime de bigamia influenciaria o do cível, pois o casamento com Elizabeth fora anulado, por conseqüência deixara de produzir efeitos, preservando-se a situação dos filhos.
Evelim passou a conhecer o Desembargador relator do processo e sua família, tornando-se íntima de todos os membros, a ponto de freqüentar a casa deles em razão de aulas de conversação em inglês, que já começava a dominar. O Desembargador ia para Inglaterra a convite na Universidade de Oxford para ministrar ensinamentos de direito civil e constitucional, enquanto os filhos fariam cursos de extensão universitária de engenharia e medicina ortopédica. Dessa amizade originou o aceleramento da expulsão do Brasil de Salvador Miranda e sua mulher Manoela, processo acelerado no Supremo Tribunal Federal. Com a venda de seus negócios, Miranda, antes de deixar o Brasil, quitou parte da dívida de 130 mil cruzeiros que devia aos dois filhos naturais e a promessa que, acertando suas atividades em Portugal, enviaria o restante.
Os filhos de Evelim, Pedro e Artur, viviam momentos de contentamentos pelas conquistas da mãe, que galgara posições sociais, dignas dos maiores louvores em todas as camadas. Em tão pouco tempo, quatro anos apenas se transformara numa mulher capaz e útil para eles. Ficaram noivos e Evinha, de outros tempos, começava uma nova etapa da vida, próxima a ser sogra. As noras a adoravam e viam nela um grande exemplo a ser seguido.
Convidara a irmã, Helen e a amiga costureira D. Eulália para visitarem o Rio de Janeiro, copiando o comportamento dos filhos em Curitiba, remeteu, além das passagens aéreas, vestuário completo para cada uma, que ficariam hospedadas num hotel em Copacabana.
À volta de Salvador e sua mulher para Portugal foi melancólica. Os dois filhos postiços, Pedro e Artur, se emocionaram muito, em choros lamuriantes, compreendia-se esse comportamento, porque fora ele o único pai que conheceram, a conformação provinha do comportamento que aquele tivera, ludibriando a mãe de criação, nunca esquecida. Subsistia, contudo, o prenúncio do avô: a comprometedora formação moral de Salvador Miranda.
A ASCENSÃO DOS GÊMEOS ADOTADOS.
Em plena dor do parto, a intuição de Evelim ao rogar à Elizabeth: “fique com os dois, prefiro que se criem juntos”, dera certo, o ditoso futuro estava a demonstrar que a visão materna vaticinava auspiciosos dias para seus dois filhos gêmeos.
“O BEM QUE VOCÊ PLANTA, VOCÊ COLHE”.
(Do filósofo, filantropo, místico e educador indiano, DADA J. P.VASWANI, seguidor de Jesus, na imagem proclamada no SERMÃO DA MONTANHA}.
Artur, como engenheiro naval, era disputado por vários estaleiros graças ao valor profissional, competência e capacidade, elevado conhecimento técnico na manutenção e construção de embarcações, administrador emérito, e seu irmão Pedro, especializou-se em medicina nuclear, gozava de grande prestígio nos hospitais especializados, o que motivou convite para ir trabalhar na N.A.S.A, nos centros de estudos de doenças causadas por contaminação atômica.
Evelin estava no apogeu, polarizava para si a atenção de todos os dirigentes de grandes empresas e até mesmo de setores governamentais, mercê dos seus esforços, desenvolvimento cultural elevado senso administrativo, prático e dinâmico. As propostas, os convites e ofertas de posições não paravam de chegar, algumas até assustavam a si e aos filhos. Esses, orgulhosos, se mostravam envaidecidos com a rápida evolução e inteligência da mãe, nunca poderiam imaginar que ela chegasse ao extremo de ser disputada para desempenhar uma significativa atividade profissional. Praticamente, o salário que percebia alcançava o triplo do que eles ganhavam, embora tivessem profissões definidas e de grau superior. Conseguira superar os percalços que eles sofreram com as malandragens do pai de criação.
A irmã Helen e a costureira D. Eulália custaram a acreditar nas atividades de Evinha, que já não falava igual como outrora e não dispunha de tempo útil para lhes dedicar maiores atenções no Rio de Janeiro. A viram em pleno trabalho, sendo solicitada e determinando providências executivas. Mantinha um semblante de austeridade e falava diferente das duas, usando uma dialética que ou não entendiam, ou desconheciam. O dinamismo, a agitação, assombrava e mal dispunham de tempo para ao menos falar com ela, que colocou um cicerone, em condições passear e exteriorizar tudo a irmã e a velha amiga. Elas observaram que Evinha sempre estava elegantemente trajada, suas roupas davam idéia de serem importadas ou ao menos de alta costura. Isso até certo ponto as constrangiam, o que levou Evelim recomendar uma das assistentes levarem as duas às melhores casas de modas de Copacabana e deixassem escolher vestidos que mais lhes agradassem.
Como Evelin não podia dispor de seu carro, nem do motorista que o dirigia, contratara um veículo de turismo para acompanhar em todos os lugares a irmã e ditosa costureira de Castro.
A INDÚSTRIA DE SABÃO SOFRE UM COLAPSO.
A grande fábrica, localizada no Rio de Janeiro, na entrada da Av. Brasil, da qual os irmãos gêmeos eram sócios, decorrente dos falecimentos do avô e mãe adotivos, começava a dar os primeiros problemas administrativos em face da saúde de dois diretores, que se encontravam inclusive hospitalizados, o financeiro e o gerente geral. Esses foram substituídos, em caráter emergencial, por empregados de confiança e experientes nas funções. Também o próprio Presidente estava com suas disposições orgânicas abaladas. O contrato social impedia que a situação perdurasse por muito tempo.
O presidente teve por propósito convocar os irmão, Pedro e Artur, para substituírem aqueles diretores, mas pelo menos um obstáculo o impedia, o médico se encontrava em Houston, Califórnia, USA, exercendo sua profissão na NASA, forçosamente impossibilitado de atender o chamamento, já o engenheiro Artur, engenheiro naval estava exercendo um cargo de direção no maior estaleiro instalado na baia de Guanabara.
Por sugestão do advogado da empresa, Dr. Azevedo, duas alternativas poderiam solucionar o impasse, a primeira reformar o estatuto social, permitindo o
ingresso de novos capitais e conseqüentemente sócios capacitados para os cargos desfalcados e a segunda, seria a transferência do capital de um dos gêmeos para outra pessoa, nesse caso a escolha recairia em Pedro, por ser médico e estar ausente do país. Forçariam Artur assumir o encargo de diretor, renunciando a profissão de engenheiro naval.
Vários telefonemas foram trocados entre as partes envolvidas, já que a presença física de qualquer um deles era praticamente impossível.
Eis então que surge a sugestão salvadora, cada filho cederia a metade do capital que dispunham na indústria à sua mãe, Evelim, que antes havia sido convidada para assumir a administração da fábrica. O difícil residia na aquiescência dela, uma fez que desfrutava de singular situação no principal “pool “ de hotéis do Rio de Janeiro, recebendo um salário inatingível por qualquer outra atividade.
Artur e o Presidente da indústria de sabão conversariam com Evelin na tentativa de convencê-la. Havia um outro obstáculo, o conglomerado hoteleiro exigia uma indenização pela saída de Evelim. Ela, desfrutando de grande capacidade de negociação, conseguiu contornar a imposição dos hotéis, renunciando todos os direitos legais e trabalhistas que teria direito de receber e indicaria um substituto, que havia preparado para virtuais ausências. Agora, só dependia de sua aquiescência, pesava sobre seus ombros a responsabilidade de ajudar os filhos queridos que tudo fizeram para atingir ao pedestal que se encontrava. A renúncia não poderia ser tida como sacrifício e sim abnegação de mãe, sempre altaneira no favoritismo.
As homenagens se sucederam nas duas esferas, diametralmente opostas, a direção máxima dos hotéis, homenageou Evelim com uma bandeja de prata, com gravação de palavras enaltecedoras às suas atividades e a industria de sabão reuniu todos os seus operários, parando a fábrica, para recebê-la como Diretora Administrativa e Gerente Geral.
Ela nunca imaginara alcançar aquela posição na vida, lembrou-se do tempo de humilde arrumadeira de hotel e “ordenha” de cabras, tudo adviera dos filhos que não foi possível criá-los. A metamorfose ocorrera graças aos seus esforços pessoais e a estrela subjetiva premonitória que nascera. A benfazeja adoção lhe dera a oportunidade de descobrir todas as virtudes que existiam ocultas no seu ser, despontadas agora depois que Elizabete recebeu como se seus filhos fossem, mais gerados pela redentora Evelim.
Em pouco tempo ela substituiu o presidente da empresa, sua idade avançada, doente, não podia dar assiduidade aos afazeres que lhes estavam afetos, teve a iniciativa de indicá-la para assumir o grau máximo das atividades. Com as viagens empreendidas à Europa, Estados Unidos e Canadá conseguiu adquirir outros conhecimentos, experiências e divisar maquinaria atualizada.
O dinamismo, não que tenha imposto, empreendido, estendeu-se aos operários, que passaram a ter participação nos lucros, modernizou totalmente a fábrica, lançou novos produtos e embalagens, de melhores aceitações no mercado, completando o ciclo da transfiguração sofrida.
Os filhos não mais enalteciam as qualidades da mãe, debatiam com ela os avanços tecnológicos adquiridos, muitas e muitas vezes empregaram as lições que transmitia nas suas atividades profissionais. Já com suas famílias constituídas, Evelin, avó, servia de exemplo e ditava normas de convivência e conduta, tornara-se uma lição de vida. Culminou com a viagem que fizeram à Curitiba e Castro, em avião especialmente fretado, o que fez Evinha chorar, lembrando a saída dessas cidades e o primeiro embarque no aeroporto da capital paranaense. Não deixaram de avistar o motorista Renato e visitar a inesquecível Santa Felicidade, onde dançara pela primeira vez com os filhos gêmeos. Os trabalhos na empresa impediam uma permanência mais alongada, também Pedro teria de regressar aos Estados Unidos com a família e Artur, o estaleiro reclamava sua presença, a ausência por mais dias prejudicava o andamento da construção e reparos nos navios. As irmãs, cunhadas de um e de outro, radiantes, entenderam os momentos que outrora os respectivos maridos tiveram, dela usufruir, momentos por eles nunca esquecidos. O que consolaria a alegria era poder desfrutar do amor quando conseguiram avistar pela primeira vez a mãe. Viveram à felicidade e passaram dela usufruir, momentos por eles nunca esquecidos. O que consolaria a alegria era poder desfrutar do amor.
“A lição do orador da turma dos formandos em Direito quando da Colação de Grau, estava sendo retratada com fidelidade, a sociedade poderia abraçar o instituto da adoção com mais amor e carinho e, por certo, amenizaria o problema da infância abandonada. A tristeza que vai n’alma daqueles seres pequeninos que não conseguem ter uma família, dilacera possibilidades futuras na vida de cada um. Harmonizando esses propósitos, a adoção e convivência familiar, enriquecem a sociedade e, paralelamente, soluciona a miséria existente na classe mais humilde”. seus corações e não avistam
“AS EXISTÊNCIAS COMOVIDAS”
= ADOÇÃO =
REGISTRADO NA FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL = Escritório de
Direitos Autorais sob Nº 416.191 LIVRO : 777 FOLHA : 351.
O acelerado progresso de Evelim fez com que seus filhos começassem a pensar no curso de inglês, antes programado. Mais dois meses e ela teria condições de matricular-se na Cultura Inglesa ou Casa Thomaz Jefferson, dependia apenas da escolha. Para Pedro a Cultura Inglesa oferecia maiores condições do ensino da língua britânica, enquanto Artur relacionava à praticidade da Casa Thomaz Jefferson, o que por certo objetivaria melhor aproveitamento. Ia mais longe na Cultura Inglesa teria de estudar expressões idiomáticas, inúteis para falar e escrever inglês, o que lhe interessaria saber a formação daquele idioma ?
Ao iniciar o aprendizado de história do Brasil, Evelim se espantou ao notar que os grandes movimentos aqui surgidos originaram-se na evolução de idéias de outros paises. Todos ficaram admirados com aquela observação, ela atingira uma maturidade invulgar. Mesmo com a diversidade de afazeres, prosseguia no invulgar pragmatismo de ler tudo que chega às suas mãos. Dispensou o compromisso da tia Joana ir, quase diariamente, a casa onde morava com os filhos para fazer a comida, passou a executar essa tarefa, mesmo com o horário rígido das aulas e os estudos derivados dos exercícios. Conciliou todas as ocupações, mais admiração conseguiu. O único obstáculo era quando Simone e Solange iam visitá-la ou conversar sobre os conhecimentos gerais que já dominava, esse intercâmbio propiciava às duas informações úteis que serviriam ao vestibular que prestariam.
As reuniões sociais que comparecia acompanhada dos filhos tornaram-se constantes, porque os convivas gostavam de conversar com ela, por ser fonte inspiradora de novas informações e experiências. Em pouco tempo Evelim, embora ainda modesta, tornou-se alvo de todas atenções, graças a sua inteligência e poder de assimilar tudo que lhe fora aprendendo.
O amor de mãe pelos filhos era desmedido e cada dia que passava mais aumentava, os laços de carinho e afeição determinavam observações constantes de pessoas que conviviam com a família. A alternativa, dos filhos para com a mãe, se firmava cada vez mais, o reconhecimento do acerto que tiveram ao trazê-la do Paraná evidenciava-se na prosperidade e progressão educacional de Evelim. Ambos se ufanavam do acerto, mas nunca relegaram o reconhecimento às ditosas virtudes de Elizabeth, que contribuíram para suas formações.
Pedro e Artur sempre comentavam entre si, a inteligência da mãe quando ainda no leito do parto solicitou que ficasse com os dois juntos, não os queriam separados, que fossem criados por uma só família. Ficara comprovado o acerto do pedido.
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O MAU CARATER DE SALVADOR MIRANDA
O senso de observação do Sr.Martins quando do primeiro encontro que tivera com Salvador Miranda, conjeturando que o mesmo não lhe inspirava confiança, o que levara a afastar realização de hipotético negócio aventado pelo português, veio ter confirmação muitos anos depois.
A sorte atraiçoaria, muito mais tarde, sua filha Elizabeth, que embora sabendo da opinião do pai, contraiu núpcias com aquele cidadão, que a procurara oferecendo seus préstimos, ao saber do falecimento de quem o pusera à distância.
Salvador Miranda foi gradativamente conquistando a simpatia de sua mulher, que aumentou quando ela se manifestou em adotar uma criança para criar. Maior solidariedade teve quando permaneceu com Elizabeth em Curitiba visando alcançar tal objetivo, concluído ao assumir o pátrio poder dos gêmeos, tratando-os como verdadeiros filhos. Esses comportamentos fortaleceram os laços de confiança mútua do casal.
Entretanto, Salvador era casado em Portugal, portanto, tornara-se bígamo ao desposar Elizabeth. Aguardava apenas uma oportunidade para trazer Manoela, sua primeira mulher, em definitivo para o Brasil, lançando mão dos trinta mil cruzeiros emprestados pelos filhos adotivos, Pedro e Artur.
Elizabeth faleceu sem saber de toda essa tramóia de Miranda. Descoberta casualmente quando Salvador passou a freqüentar com Manoela o Clube Ginástico Português. Certa noite os dois estavam no Clube quando outro sócio e amigo de Salvador os avistou e teceu comentários: resolveu trazer sua esposa para o Brasil, correndo o risco, mesmo sendo aqui casado ou divorciou-se dela? Nada sabia da morte de Elizabeth. Outros circunstantes ouviram e passaram a serem sabedores que Miranda era bígamo.
Aqueles pormenores chegaram ao conhecimento de Dr. Azevedo, que já estava averiguando um empréstimo fraudulento, através de um contrato com um Banco, sendo dado em penhor e garantia o imóvel em Botafogo, da rua Bambina, onde os dois rapazes residiam com sua mãe e arrolados no inventário.
Uma vez mais, Pedro e Artur tiveram que ir ao escritório do Dr. Azevedo, que lhes colocou a par dos novos conhecimentos, informando-lhes as medidas judiciais que passaria a tomar.
Primeiro requereu ao Departamento de Migração do Ministério da Justiça, a qualificação completa de Manoela, quando ela entrou no Brasil. De posse do documento solicitou a Embaixada de Portugal que investigasse junto ao órgão competente daquele país o estado civil de Manoela. Sendo casada, qual o nome do cônjuge,
Fez distribuir competente ação anulatória do contrato empréstimo compromissado por Miranda, com o aval hipotecário do imóvel principal da mulher, Elizabeth, à época em que estava viva. A fundamentação era simples, antes da morte do Sr. Martins, ele teve o cuidado de deixar em testamento que os bens da partilha que coubesse a Elizabeth permaneceriam em uso-fruto dos netos Pedro e Artur, até atingirem a maior idade, logo não poderia nunca ser dado em hipoteca para garantia de empréstimo.
A dívida perante o Banco girava em torno de 250 mil reais, a qual se somariam juros e despesas bancárias e já estava vencida há cerca de cinco meses, porque Salvador conseguia renová-la para evitar a execução. Cessada as disponibilidades de Miranda, deixou de amortizar e reformar o título. Em conseqüência o Banco deu conhecimento ao inventariante e notificou Salvador para quitar o título dentro de dez dias. Passado esse prazo o Banco promoveu a execução da dívida, cumulando com a emissão de posse do imóvel.
Os rapazes não tinham aquela importância, nem dispunham de parte dela e estavam impedidos de solicitar à fábrica em razão do procedimento escroque de Salvador, que conseguira astuciosamente apropriar-se de 100 mil reais.
Parecia que começava a desabar o castelo erguido pelos dois irmãos. Artur concluiria o curso de engenharia dentro de três meses e o irmão Pedro continuaria o de medicina ainda por um ano. Um dos outros imóveis fora desocupado, mas precisava de pequenos reparos para a família ocupá-lo e as acomodações eram bem menores, distante das faculdades que os irmãos estudavam.
O pior seria informar a Evelim, ainda que parcialmente, os acontecimentos. E, o juiz deu a emissão de posse ao Banco, fixando um prazo de 30 dias para desocupação.
Dr.Azevedo entrou com vários recursos perante o Tribunal Superior e resolveu ir à fábrica comunicar-se com os diretores. Evelim sabedora dos fatos saiu de casa e foi aos mais expressivos hotéis de Copacabana em busca de emprego, Sua capacidade estava comprovada, sabia se expressar bem, tinha uma linda caligrafia, sua deficiência era não falar inglês ou outra língua e não datilografava. Apresentou sua carteira profissional, que embora constasse ser arrumadeira, demonstrara grande experiência na atividade hoteleira. Pediu a tia Joana que fosse à sua casa, sendo possível acompanhada do marido, Zeca, com quem pretendia conversar.
A fábrica, pelos seus Diretores, sensibilizada, manteve entendimentos com o Banco; amortizaria parcialmente a dívida e assumiria o aval de D. Elizabeth.
O mais luxuoso hotel de Copacabana, exatamente integrante de uma grande cadeia em todos Brasil, admitiu Evelim como encarregada geral dos serviços de infra-estrutura do hotel, que compreendia assistência e verificação da arrumação, cumprindo manter relacionamento com os hóspedes.
Tia Joana veio imediatamente, esperara apenas a chegada de Zeca do Sindicato, que como a mulher estranhou a inopinada convocação.
A conversa iniciou-se entre os três. Os rapazes estavam ausentes, o que facilitou Evelim. Esta, no entanto, manteve certa reserva, comentando em linhas gerais os acontecimentos e depois pediu a Joana para falar especialmente com Zeca, causando maior espanto. Dissera antes que fizera um teste num hotel famoso em Copacabana, passara, seria admitida como Chefe Geral dos Serviços de infra-estrutura.
A Zeca detalhou a situação financeira que estariam prestes a enfrentar, preocupava-se com a continuidade dos estudos de Pedro, pois os dispêndios no curso de medicina eram elevados. Lembrou que Artur praticamente estava por concluir engenharia. Quis saber de Zeca, sobre duas das suas aspirações: primeiro se ele com outros operários poderiam consertar a casa vazia da rua Homem de Mello no Leblon para onde se mudariam; depois quais as possibilidades de conseguir um lugar de engenheiro para o filho.
Zeca não se furtou a responder as duas averiguações, informando a Evelim que entraria de férias no início do mês, o que estava próximo, ia até a casa ver o que necessitava e solicitaria a dois ou três colegas capacitados para auxiliá-lo. Achava que não seria difícil atingir o objetivo pretendido. Quanto ao segundo aspecto da indagação, criou uma atmosfera de êxito, dizendo que era benquisto no estaleiro, principalmente perante os engenheiros chefes e o fato de ser diretor do sindicato da classe, dava-lhe ótimas condições de interceder naquele sentido. Acrescentando mais, não sendo possível no estaleiro que trabalho, conseguirei por certo em um dos demais, até mesmo no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro.
Evelim clamou por Joana, que aproveitou a oportunidade para passar um café, servido quentinho aos três; dizendo-lhe que seu marido informaria em detalhes o que conversaram.
Com a chegada dos filhos, a mãe apressou-se em colocá-los a par das providências que tomara e a razão de convidar tia Joana e o marido a virem até onde moravam. Os dois ficaram perplexos com as iniciativas da mãe, não demonstraram desagrado, acharam apenas que ela agira apressadamente, a situação não estava definida contra eles, a ponto de ser obrigado a contorná-la.
Ambos definiram uma situação, a senhora não vai parar de estudar, está indo muito bem, com excepcional aproveitamento e dentro de trinta dias estará estudando inglês na casa Thomaz Jefferson, terá, portanto, que conciliar os horários. Perguntaram à mãe se sentia falta de alguma coisa dentro de casa. Como a resposta foi negativa, reiteraram que ela não precisava ir trabalhar no hotel, mesmo havendo significativo ganho, seria mais útil e convincente que ela permanecesse em casa.
Evelim contra-argumentou eu estou em condições de ajudar vocês dois nas despesas, seguirei integralmente suas vontades na continuação dos estudos, até porque eu mesma tenho interesse em prosseguir.
Pedro e Artur consideraram ótima a idéia de solicitar a Zeca que fizesse um levantamento do material e mão-de-obra para os reparos indispensáveis na casa da rua Homem de Mello e aguardariam o orçamento que nortearia a iniciativa a ser tomada.
Aproveitaram para comentar que há muito tempo não saiam à noite, seria interessante que os três fossem a uma churrascaria jantar, justificável, pois, neste mesmo dia a um ano atrás conseguiram encontrar a mãe na subida da casa de tia Helem em Castro. Artur, sempre mais comunicativo, propôs que melhor seria um local que tivesse música, há muito Evelim não dançava. Essa concordou desde que as namoradas estivessem presentes e telefonou convidando-as, mas alertou a comemoração terá de ser comedida, sem gasto muito alto.
Foram num lugar aprazível que ela não conhecera, no Leblon, e Evelim recordou-se dos momentos felizes em Sta. Felicidade. Dançou com os filhos até cerca de 2 horas da madrugada. A música era diversa daquela tocada em Curitiba, predominou o samba e o forró, que ela não conhecia. Tornou-se mais difícil de se adaptar, aos poucos conseguiu seguir o ritmo, depois só tinha que revezar com Simone e Solange, os rapazes é que cansaram mais para dar conta de atender as três na dança.
Como em Santa Felicidade foi uma noite memorável, mais atraente pela presença das duas moças e das diferentes músicas que Evelim ouvira. Retiraram-se todos às 3 horas da madrugada, Pedro preferiu retornar de táxi em razão do adiantado da hora, e deixarem que as namoradas voltassem direto para casa, evitando dessa forma que as moças fossem primeiro a Botafogo e retornarem sozinhas para suas casa na Gávea.
Embora diante da negativa dos filhos, que era dispensável ir trabalhar no hotel, Evelim recalcitrou e às 13 horas se apresentou no serviço, um dos integrantes da mais famosa cadeia de hospedagem de Copacabana. Recebeu as primeiras instruções do gerente geral e rapidamente estava senhora de toda situação. Reuniu seus subordinados transmitindo como gostariam que eles executassem os serviços, transmitindo, desde logo, que não toleraria falhas, constatadas o causador seria substituído e colocado à disposição da gerência. Avisou, também, que o hóspede teria sempre razão, nunca poderia ser contrariado ou contestado no que desejasse. Aos seguranças advertiu que agissem com moderação, sem demonstrarem qualquer agressividade, somente em momentos extremos partissem para gestos mais bruscos, consultando-a, previamente, na medida do possível ou o gerente geral. Aos carregadores de bagagens tomassem cuidado com os pertences dos hóspedes, colocando-os no local próprio do apartamento, dessem instruções sobre o funcionamento da aparelhagem existente nos aposentos, como acionar o telefone, ligar o aparelho de TV e o ar condicionado e evitassem forçar o recebimento de “gorjetas”. Os empregados sentiram desde aquele momento que Evelim estava habilitada para a função.
Passado o primeiro mês, dominava todo o serviço e preparou um empregados para substituí-la em caso de necessidade. Foi exatamente o que aconteceu, a gerência geral a convocou para servir de interprete, em alemão, a um grupo significativo de turistas que chegou ao hotel. Saiu-se muitíssimo bem, nascendo desse sucesso dois significativos convites, difíceis de serem dirimidos: o primeiro foi da própria diretoria da cadeia de hotéis, para assumir a gerência geral do grupo, sem fixação do hotel que permaneceria, sendo o salário em cinco vezes mais do que vinha ganhando; o segundo foi de um daqueles turistas, que viera se fixar no Brasil, na direção de uma industria montadora de automóveis, sendo o salário pago em “dólares”, equivalente a três vezes mais que o salário oferecido pelo hotel, porém fora do Rio de Janeiro, próximo, contudo.
À noite reuniu os filhos para darem a eles conhecimento das duas propostas, embora julgasse que uma ou outra seria abandoná-los traiçoeiramente, no momento mais difícil que passavam na vida até aquele dia. Por outro lado, eles não concordariam, pois seus pensamentos eram que a mãe não precisava trabalhar, mormente porque achavam serem suas obrigações sustentá-la, por isso a trouxeram de Curitiba. Havia, todavia, uma realidade maior e mais explicita, a situação financeira causada pelo pai adotivo, ainda estava em julgamento, e Evelim já vinha ganhando três vezes mais que a soma dos proventos que eles recebiam.
Prevaleceu à negativa dos gêmeos, apenas concordaram que a mãe poderia permanecer à frente da gerência geral do grupo hoteleiro, sem se afastar do Rio de Janeiro, com esse procedimento continuaria os estudos, capacitando-a ainda mais para outras atividades.
Zeca em férias começou com três companheiros a reforma na casa da rua Homem de Mello, forneceu sucinta relação do material indispensável para o início das obras, prevalecendo apenas a mão-de-obra dos auxiliares, o trabalho dele não seria cobrado, o que Evelim reclamou e não aceitou.
O Dr. Azevedo reformou no Tribunal Superior as decisões de primeiro grau e, imediatamente, executou, com isso os gêmeos recobraram os imóveis, restava apenas a controvertida participação de Miranda no inventário e as correlatas indenizações que se dizia credor, face aos laços que uniram a Elizabeth. Todavia, o processo crime de bigamia influenciaria o do cível, pois o casamento com Elizabeth fora anulado, por conseqüência deixara de produzir efeitos, preservando-se a situação dos filhos.
Evelim passou a conhecer o Desembargador relator do processo e sua família, tornando-se íntima de todos os membros, a ponto de freqüentar a casa deles em razão de aulas de conversação em inglês, que já começava a dominar. O Desembargador ia para Inglaterra a convite na Universidade de Oxford para ministrar ensinamentos de direito civil e constitucional, enquanto os filhos fariam cursos de extensão universitária de engenharia e medicina ortopédica. Dessa amizade originou o aceleramento da expulsão do Brasil de Salvador Miranda e sua mulher Manoela, processo acelerado no Supremo Tribunal Federal. Com a venda de seus negócios, Miranda, antes de deixar o Brasil, quitou parte da dívida de 130 mil cruzeiros que devia aos dois filhos naturais e a promessa que, acertando suas atividades em Portugal, enviaria o restante.
Os filhos de Evelim, Pedro e Artur, viviam momentos de contentamentos pelas conquistas da mãe, que galgara posições sociais, dignas dos maiores louvores em todas as camadas. Em tão pouco tempo, quatro anos apenas se transformara numa mulher capaz e útil para eles. Ficaram noivos e Evinha, de outros tempos, começava uma nova etapa da vida, próxima a ser sogra. As noras a adoravam e viam nela um grande exemplo a ser seguido.
Convidara a irmã, Helen e a amiga costureira D. Eulália para visitarem o Rio de Janeiro, copiando o comportamento dos filhos em Curitiba, remeteu, além das passagens aéreas, vestuário completo para cada uma, que ficariam hospedadas num hotel em Copacabana.
À volta de Salvador e sua mulher para Portugal foi melancólica. Os dois filhos postiços, Pedro e Artur, se emocionaram muito, em choros lamuriantes, compreendia-se esse comportamento, porque fora ele o único pai que conheceram, a conformação provinha do comportamento que aquele tivera, ludibriando a mãe de criação, nunca esquecida. Subsistia, contudo, o prenúncio do avô: a comprometedora formação moral de Salvador Miranda.
A ASCENSÃO DOS GÊMEOS ADOTADOS.
Em plena dor do parto, a intuição de Evelim ao rogar à Elizabeth: “fique com os dois, prefiro que se criem juntos”, dera certo, o ditoso futuro estava a demonstrar que a visão materna vaticinava auspiciosos dias para seus dois filhos gêmeos.
“O BEM QUE VOCÊ PLANTA, VOCÊ COLHE”.
(Do filósofo, filantropo, místico e educador indiano, DADA J. P.VASWANI, seguidor de Jesus, na imagem proclamada no SERMÃO DA MONTANHA}.
Artur, como engenheiro naval, era disputado por vários estaleiros graças ao valor profissional, competência e capacidade, elevado conhecimento técnico na manutenção e construção de embarcações, administrador emérito, e seu irmão Pedro, especializou-se em medicina nuclear, gozava de grande prestígio nos hospitais especializados, o que motivou convite para ir trabalhar na N.A.S.A, nos centros de estudos de doenças causadas por contaminação atômica.
Evelin estava no apogeu, polarizava para si a atenção de todos os dirigentes de grandes empresas e até mesmo de setores governamentais, mercê dos seus esforços, desenvolvimento cultural elevado senso administrativo, prático e dinâmico. As propostas, os convites e ofertas de posições não paravam de chegar, algumas até assustavam a si e aos filhos. Esses, orgulhosos, se mostravam envaidecidos com a rápida evolução e inteligência da mãe, nunca poderiam imaginar que ela chegasse ao extremo de ser disputada para desempenhar uma significativa atividade profissional. Praticamente, o salário que percebia alcançava o triplo do que eles ganhavam, embora tivessem profissões definidas e de grau superior. Conseguira superar os percalços que eles sofreram com as malandragens do pai de criação.
A irmã Helen e a costureira D. Eulália custaram a acreditar nas atividades de Evinha, que já não falava igual como outrora e não dispunha de tempo útil para lhes dedicar maiores atenções no Rio de Janeiro. A viram em pleno trabalho, sendo solicitada e determinando providências executivas. Mantinha um semblante de austeridade e falava diferente das duas, usando uma dialética que ou não entendiam, ou desconheciam. O dinamismo, a agitação, assombrava e mal dispunham de tempo para ao menos falar com ela, que colocou um cicerone, em condições passear e exteriorizar tudo a irmã e a velha amiga. Elas observaram que Evinha sempre estava elegantemente trajada, suas roupas davam idéia de serem importadas ou ao menos de alta costura. Isso até certo ponto as constrangiam, o que levou Evelim recomendar uma das assistentes levarem as duas às melhores casas de modas de Copacabana e deixassem escolher vestidos que mais lhes agradassem.
Como Evelin não podia dispor de seu carro, nem do motorista que o dirigia, contratara um veículo de turismo para acompanhar em todos os lugares a irmã e ditosa costureira de Castro.
A INDÚSTRIA DE SABÃO SOFRE UM COLAPSO.
A grande fábrica, localizada no Rio de Janeiro, na entrada da Av. Brasil, da qual os irmãos gêmeos eram sócios, decorrente dos falecimentos do avô e mãe adotivos, começava a dar os primeiros problemas administrativos em face da saúde de dois diretores, que se encontravam inclusive hospitalizados, o financeiro e o gerente geral. Esses foram substituídos, em caráter emergencial, por empregados de confiança e experientes nas funções. Também o próprio Presidente estava com suas disposições orgânicas abaladas. O contrato social impedia que a situação perdurasse por muito tempo.
O presidente teve por propósito convocar os irmão, Pedro e Artur, para substituírem aqueles diretores, mas pelo menos um obstáculo o impedia, o médico se encontrava em Houston, Califórnia, USA, exercendo sua profissão na NASA, forçosamente impossibilitado de atender o chamamento, já o engenheiro Artur, engenheiro naval estava exercendo um cargo de direção no maior estaleiro instalado na baia de Guanabara.
Por sugestão do advogado da empresa, Dr. Azevedo, duas alternativas poderiam solucionar o impasse, a primeira reformar o estatuto social, permitindo o
ingresso de novos capitais e conseqüentemente sócios capacitados para os cargos desfalcados e a segunda, seria a transferência do capital de um dos gêmeos para outra pessoa, nesse caso a escolha recairia em Pedro, por ser médico e estar ausente do país. Forçariam Artur assumir o encargo de diretor, renunciando a profissão de engenheiro naval.
Vários telefonemas foram trocados entre as partes envolvidas, já que a presença física de qualquer um deles era praticamente impossível.
Eis então que surge a sugestão salvadora, cada filho cederia a metade do capital que dispunham na indústria à sua mãe, Evelim, que antes havia sido convidada para assumir a administração da fábrica. O difícil residia na aquiescência dela, uma fez que desfrutava de singular situação no principal “pool “ de hotéis do Rio de Janeiro, recebendo um salário inatingível por qualquer outra atividade.
Artur e o Presidente da indústria de sabão conversariam com Evelin na tentativa de convencê-la. Havia um outro obstáculo, o conglomerado hoteleiro exigia uma indenização pela saída de Evelim. Ela, desfrutando de grande capacidade de negociação, conseguiu contornar a imposição dos hotéis, renunciando todos os direitos legais e trabalhistas que teria direito de receber e indicaria um substituto, que havia preparado para virtuais ausências. Agora, só dependia de sua aquiescência, pesava sobre seus ombros a responsabilidade de ajudar os filhos queridos que tudo fizeram para atingir ao pedestal que se encontrava. A renúncia não poderia ser tida como sacrifício e sim abnegação de mãe, sempre altaneira no favoritismo.
As homenagens se sucederam nas duas esferas, diametralmente opostas, a direção máxima dos hotéis, homenageou Evelim com uma bandeja de prata, com gravação de palavras enaltecedoras às suas atividades e a industria de sabão reuniu todos os seus operários, parando a fábrica, para recebê-la como Diretora Administrativa e Gerente Geral.
Ela nunca imaginara alcançar aquela posição na vida, lembrou-se do tempo de humilde arrumadeira de hotel e “ordenha” de cabras, tudo adviera dos filhos que não foi possível criá-los. A metamorfose ocorrera graças aos seus esforços pessoais e a estrela subjetiva premonitória que nascera. A benfazeja adoção lhe dera a oportunidade de descobrir todas as virtudes que existiam ocultas no seu ser, despontadas agora depois que Elizabete recebeu como se seus filhos fossem, mais gerados pela redentora Evelim.
Em pouco tempo ela substituiu o presidente da empresa, sua idade avançada, doente, não podia dar assiduidade aos afazeres que lhes estavam afetos, teve a iniciativa de indicá-la para assumir o grau máximo das atividades. Com as viagens empreendidas à Europa, Estados Unidos e Canadá conseguiu adquirir outros conhecimentos, experiências e divisar maquinaria atualizada.
O dinamismo, não que tenha imposto, empreendido, estendeu-se aos operários, que passaram a ter participação nos lucros, modernizou totalmente a fábrica, lançou novos produtos e embalagens, de melhores aceitações no mercado, completando o ciclo da transfiguração sofrida.
Os filhos não mais enalteciam as qualidades da mãe, debatiam com ela os avanços tecnológicos adquiridos, muitas e muitas vezes empregaram as lições que transmitia nas suas atividades profissionais. Já com suas famílias constituídas, Evelin, avó, servia de exemplo e ditava normas de convivência e conduta, tornara-se uma lição de vida. Culminou com a viagem que fizeram à Curitiba e Castro, em avião especialmente fretado, o que fez Evinha chorar, lembrando a saída dessas cidades e o primeiro embarque no aeroporto da capital paranaense. Não deixaram de avistar o motorista Renato e visitar a inesquecível Santa Felicidade, onde dançara pela primeira vez com os filhos gêmeos. Os trabalhos na empresa impediam uma permanência mais alongada, também Pedro teria de regressar aos Estados Unidos com a família e Artur, o estaleiro reclamava sua presença, a ausência por mais dias prejudicava o andamento da construção e reparos nos navios. As irmãs, cunhadas de um e de outro, radiantes, entenderam os momentos que outrora os respectivos maridos tiveram, dela usufruir, momentos por eles nunca esquecidos. O que consolaria a alegria era poder desfrutar do amor quando conseguiram avistar pela primeira vez a mãe. Viveram à felicidade e passaram dela usufruir, momentos por eles nunca esquecidos. O que consolaria a alegria era poder desfrutar do amor.
“A lição do orador da turma dos formandos em Direito quando da Colação de Grau, estava sendo retratada com fidelidade, a sociedade poderia abraçar o instituto da adoção com mais amor e carinho e, por certo, amenizaria o problema da infância abandonada. A tristeza que vai n’alma daqueles seres pequeninos que não conseguem ter uma família, dilacera possibilidades futuras na vida de cada um. Harmonizando esses propósitos, a adoção e convivência familiar, enriquecem a sociedade e, paralelamente, soluciona a miséria existente na classe mais humilde”. seus corações e não avistam
“AS EXISTÊNCIAS COMOVIDAS”
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