DOS DELÍRIOS MÉTRICOS E DA IMPROVÁVEIS RIMAS.

Anita teimava em escrever poesia. Rimava ama com cama, rimava paralelo com belo, e por do sol com lençol. Não ia muito além disso, mas esfregava a sua alma poetisa na cara do primeiro incauto.

Quando apaixonada (e era sempre E MUITO), coitados dos presentes que, na tentativa de ser solidários e secar-lhe as lágrimas, tinham que engolir os delírios métricos da moça.

Comentava-se, à boca pequena, que ela "cometia" mais poemas de amor do que vivia o próprio amor, por que aos quase trinta, só duas paixões muito adolescentes, muito bucólicas (deram-se no sítio do tio) e platônicas.

Alguém sugeriu que ela casasse (achando alguém, é claro) e tivesse logo gêmeos, a fim de que, ocupada por duas bocas famintas e duas bundas sempre a produzir cocô, provavelmente descabelada, sem paixão nem tesão, parasse ela mesma de tanto fazer merdas rimadas. Mas, infortunadamente, essa não foi uma opinião expressa abertamente, é claro.

A mãe, coitada, não pedira o divórcio por que era uma mulher cristã, mas tinha ganas homicidas quando lembrava que o falecido tivera a péssima idéia de presentear sua filha com um dicionário de rimas aos quinze anos. E ainda ficava mais enfurecida, ao ponto de pecar seriamente contra a caridade, quando recordava aquela triste noite de novembro quando tivera que ouvir, calada, sem criar traumas - era freudiana convicta - a filha cometendo pela primeira vez aquele crime ao bom gosto e ao bom senso.

Mas, Anita prossegue em seu escolhido destino. Ainda não se tocou da realidade e vive num mundo onde "borboleta" e "angina" não rimam com nada e que "Catete" e "baralho" são palavras improváveis para rimar com uma coisa que ela não conhece. Nem vai conhecer, se depender de seu talento de poeta.