Apenas uma sombra - cenas cotidianas 12
Amaury chegava sempre embreagado em casa já falando alto. Sandra , sua esposa levava o filho caçula para fora e sentava-o no degrau da escada, com um livro ou um gibi na mão. E começava a discussão, a briga, e ela e os dois filhos mais velhos sempre apanhavam.Pedro, o mais velho, enfrentava o pai e sempre apanhava mais. Sandra, sempre submissa aterrorizava-se.
Zezinho, o caçula, ainda não sabia ler, então folheava o livro ou o gibi inventando histórias para as figuras. Contava em voz alta para não ouvir o barulho que vinha do apartamento.Quando percebeu sua sombra na parede no vão da escada se animou pois teria enfim alguém para compartilhar as histórias. E sentia o quanto sua sombra era uma boa ouvinte e nunca faltava. Era sua maior felicidade.
Até que uma noite Amaury chegou mais cedo, ainda não era noite, tinha sido demitido do emprego. Estava muito bêbado e armado. Em alguns minutos disparou contra toda a família e fugiu.
Muitos vizinhos apareceram. A polícia chegou. O tumulto era geral.
E ninguém reparou, ao anoitecer, no vão da escada , que a sombra de um menino com um livro na mão, ansiava por mais uma história.