chega de palavras, estas se perderão com o tempo
Sentia-me como um boi indo para o abate. Apesar disso, quando cruzo a sorveteria da Rua 7, me sinto livre como um pássaro. Posso ver, nos rostos amargurados dos viventes que chupam seus milk-shakes com uma sucção anêmica, um pouco de vida.
- Deus salve vocês! - Grito, enquanto corro em direção ao hospital. Eu me lembro bem onde fica. Sei bem onde achar meu santuário.
Quando olho para o outro lado da praça, vejo um policial preguiçoso limpar as unhas com um palito de dente. Ele parece uma pessoa desprezível. No entanto, me percebera correndo, e vi que se sentava em sua moto, ligando a sirene. Estava atrás de mim. Eu, o homem mais pobre da cidade.
Assim que passo pelo hospital e cruzo com aquele cheiro de algodão desinfetado e gel para fricção antisséptica, um pensamento estranho vem em minha mente. Será que fizeram uma rua lá? Meu santuário, o berço das ideias iluministas mais terríveis e santas do mundo estaria destruído, apagado como o mapa de Babilônia?
Não tenho tempo para sofrer com isso, pois assim que saio do ambiente estéril do hospital, me encontro com a pequena estrada.
É terrível, sua composição. Sua areia fede, a grama que nasce nas beiradas de certo abriga escorpiões corruptos e aranhas pecaminosas. Odeio aranhas. Começo a correr, descer aquela ladeira nostálgica que levará ao Santo Graal de minha mente, enquanto escuto o soar da sirene da moto do policial se aproximando. Não tenho muito tempo.
A escuridão cobre meus olhos, já que não há nenhum poste de luz em lugar tão ermo. Dou quinze passos para a frente e dois para direita, encontrando outro caminho, revolvido pelo mato que nascera, mas ainda reconhecível pelos meus olhos que passaram tantos anos o observando.
- Quase consegui! - Sussurro, babando.
De fato, não havia conseguido ainda, por isso o quase. Escuto a moto policial entrar na entrada após o hospital e por isso pulo direto para o santuário.
Os anos de imobilização criaram uma cadeia de teias de aranha, poeira e mofo que se embrenham em minha roupa quando caio na pequena gruta. Escuto a moto passar pela estrada, até sumir nos confins da noite. Estou só.
Saco a lanterna do bolso, qual pretendia usar apenas quando chegasse. Assim que ilumino o chão, vejo o Santuário.
Signos mortos, afeições apodrecidas, terríveis lapsos de tempo. Mas muitas ideias, sim. Os quadros mentem para mim com sua áurea perdida. Identifico o sorriso nas fotos e vejo que já se apagaram com o horror da corrupção. Vou até o crucifixo e lá está. O Livro.
O envolvo em meu ventre e deito no meio daquela terra, em posição fetal. A lanterna agora ilumina um rato que passa distraído. Vejo as estrelas. A lua. Mil olhos. E o infinito.
Sei o que devo fazer agora.
Não ser.
Pelo bem da eternidade.