O cínico e o equilibrista

A rua estava tão deserta quanto a sua alma, só o que sentia era o cheiro de cigarro impregnando sua camisa velha e o vazio, o mesmo vazio de toda a sua vida, esse que o tem acompanhado desde suas memórias mais antigas. Já era noite e ele precisava voltar logo para casa, tinha fome e não comia desde manhã.

Apressou os passos como uma criança se apressa ao voltar para casa depois de um dia inteiro de aula e com todo o ânimo que lhe restava sorriu ao ver a porta de sua casa. Entrou vagarosamente e de nada lembrou o velho menino que antes quase corria no breu em busca do aconchego de seu lar. Talvez ele soubesse que a ideia de chegar em casa não era tão aconchegante quanto antes parecia, ele sabia que dentro desse cárcere privado sua única companhia seria a solidão e nem mesmo o vazio ou o cheiro do cigarro importariam mais.

Tomou um banho demorado e só desligou o chuveiro porque seu estômago lembrou-o que sentia fome. Arrastou-se até a cozinha, um lugarzinho medíocre onde se via apenas um fogão gasto pelo tempo, uma geladeira tão velha quanto o fogão e a pia onde a pouca louça que tinha há muito não era lavada. Era um local pouco iluminado onde a única luz existente era a da chama onde fervia o feijão. Pegou um prato sujo e o lavou apenas com água, passando os dedos pela gordura a fazendo deslizar por ele sob o efeito da água até cair na pia. Encheu-o com o feijão recém fervido, um resto de arroz gelado e alguma carne que pela aparente situação já estava naquele fogão há pelo menos uma semana.

Comeu em pé com a mesma pressa com que correu pelas ruas, talvez por fome ou mesmo pela repulsa que aquela comida ruim o causava. Fato é que comeu. Não demonstrou nenhuma reação ao terminar e deixou o prato sobre a mesma pia onde antes repousava.

Foi para o quarto onde algumas peças de roupa e uma cama eram as únicas presenças além de seu corpo cansado. Fumou um cigarro sentado na beirada da cama e deitou-se tão cansado de tudo que logo adormeceu.

Dormiu um sono profundo como se lhe tivesse sido acumulado o peso de uma vida inteira. Tampouco sonhou durante a noite, até mesmo sua respiração estava cansada e não adiantariam nem mil noites para que seu cansaço cessasse. Era o cansaço de uma vida mal vivida, onde o remorso lhe consome a alma da mesma forma que o tempo há de lhe consumir em breve. Já não anseia muito mais da vida nem tem esperanças de que muitos anos ainda o esperam pela frente. Essa é só mais uma noite vazia. Só mais uma vida vazia.

Não se esperam grandes aspirações de almas medíocres, mas qual régua nos é dada para medir a mediocridade? Quanto custa silenciar os fracassos? Que seriam os êxitos senão pajens da perspectiva?

É só mais uma alma vazia. Mas não seriam todas as almas vazias? Não seria o vazio um coito interrompido entre o tempo e a perspectiva?

Acorda! Um pouco mais vazio que ontem, porém nem tanto, que não lhe sobre um pouco de vazio para amanhã.