Imaginação Perceptível
Não que eu queira imprimir alguma imagem, porém meu cérebro me apoquenta a ponto de permitir que me vaze alguma réstia de vidas passadas, de vidas prensadas pelo que o tempo resolveu ilustrar.
A casa era iluminada com os lampiões à querosene, o cheiro me deixava inquieta e ao mesmo tempo me inebriava com uma sensação estranha. Não sei dizer ao certo, mas era um tipo de incômodo misturado ao prazer.
Eu pegava alguns livros e me sentava ao lado do Fly, um cão da raça boxer muito bonachão e companheiro. A luz pálida dos lampiões às vezes me assustava em certos trechos do corredor que dava para os outros quartos. A casa era enorme e fantasmagórica. O que me valia era o quadro do Sagrado Coração de Jesus, que me acalmava e o meu cão amigo que me lambia como se dissesse: - Estou por perto, não temas.
Geralmente eu pegava o mesmo livro, parava no mesmo capítulo e não saía daquela mesma linha. Era o livro do autor Mark Twain com As Aventuras de Huckleberry Finn. Nunca consegui sair do trecho em que o Huck fugia numa balsa com o seu amigo Jim, um escravo fugitivo.
E quando me dava conta, as horas tinham voado, o Fly dormia recostado nas minhas pernas cruzadas e a luz bruxuleante dos lampiões sambando vertiginosamente com sombras maculando cada parte das paredes encapuzadas na tinta gasta.
Eu olhava fixamente na pele de cada parte daquelas paredes e enxergava vários formatos, olhava atentamente, coçava os olhos para limpá-los e as imagens permaneciam ali como se não quisessem desabonar a minha conduta.
Eu via toda a cena do rio Mississippi com a jangada. Eu juro que eu via. Os personagens ganhavam vida. E eu acompanhava cada movimento dado pelos dois, o Huck e o Jim. E do Sacro Coração de Jesus, saía uma luz bem forte, nos olhos DEle eu via umas faíscas azuis e brilhantes. Vi o seu sorriso límpido e o piscar dos olhos só para mim.