Anestesiada pela luz do computador

Escreve, escreve, escreve, e perde a noite escrevendo. Para e lê, uma, duas, mais vezes do que pode contar, backspace, e no ritmo certo, apaga. Olha para trás, sem levantar ou tirar os dedos do teclado, um montinho embaixo dos cobertores - a viajem deve tê-lo cansado, dormiu rápido - pensa a pequena. Vira para frente de novo, lê, relê, sorri, salva. Para de novo, e de novo volta, e para, backspace, e para. Ela encosta na cadeira e esfrega o rosto, suspira e volta a olhar o Sr. Spidwick, coça a orelhinha, a testa e levanta a franja, roxabranca, quase branca, precisa pintar o cabelo, mas não se importa, não agora, talvez amanhã, quem sabe? Ela sabe, sempre sabe, finge que não sabe para não cobrarem respostas dela. Porque será que não se satisfazem com perguntas? São tão lindas as interrogações (?)!! E coça a orelhinha, balança a perna. Para, segura a perna, não pode ter pegado essa mania compulsiva ridícula... E não pegou, controla. Tudo ela controla. Mentira, não consegue controlar Aquilo, merda de lua em escorpião! Abre o icq, o msn, e ninguém que valha. Suspira, volta p'ro Word, o barulho das teclinhas se mistura com o do ar-condicionado. Toca a campainha, ela levanta, a cadeira range, Spidwick da um pulo e a srta. Ilusão fala baixinho "calma, pode voltar a dormir", abre a porta com cuidado para não assusta-lo, e antes de chegar no final do corredor, seu irmão abre a porta. Visitas a uma e cinqüenta e sete da manhã... Esse menino não toma mesmo jeito, volta pro quarto, e escreve, escreve, escreve e perde a noite escrevendo. Para e lê, uma, duas, mais vezes do que pode contar, backspace, e no ritmo certo, apaga. Olha para trás sem levantar, sem tirar os dedos do teclado, um montinho embaixo dos cobertores. Vira para frente de novo, lê, relê, sorri, salva. Para de novo, e de novo volta, e para, backspace, e para. Encosta na cadeira e esfrega o rosto, suspira e volta a olha-lo. Coça a orelhinha, a testa e levanta a franja, precisa pintar o cabelo, mas não se importa, não agora, talvez amanhã, quem sabe?

Barbara Coimbra
Enviado por Barbara Coimbra em 03/09/2006
Código do texto: T232019