O cobrador
Estou cansado destas cartas de cobrança de condomínio. Sei que tá atrasado. Sei que não vou pagar. Estou desempregado, mas não pago por questões ideológicas.
Vou fazer um breve flashback pra inteirá-los:
Ou melhor, deixa quieto. Nada de flashback. Tou me achando quem pra usar tal recurso a essas horas? Mas vou dar uma explicação técnica: se cada prédio administrar suas contas o preço da tal taxa cai pra menos da metade, comprovem.
Resolvo esclarecer meu ponto de vista pra empresa que administra a cobrança de condomínio. De propriedade de um advogado, lógico. Vou até lá falar com eles, olhar no olho, nada de cartinhas sorrateiras sob a porta muda.
Com a cara fechada peço a gerenta. Surge uma velhota com olhar malévolo, ou apenas idiota. Conto pra ela que não concordo com a cobrança abusiva que eles me impõem. Que o condomínio é uma espécie de aluguel e que comprei o apartamento pra não ter que pagar aluguel, oras. O seu olhar se transforma. Alguém aí já encarou uma pedra de gelo? Aquilo era pior, emanava tamanha frieza que um calafrio percorreu meu corpo. Era falar com uma porta.
Começo a perder a paciência, digo que estou desempregado. Ela não tem um emprego ali pra mim?, sarcástico. Acende uma chama no meio do iceberg dos seus olhos. Ela diz que sim, sorri. Apertamos as mãos.
Mesmo dia, lá estou enfiando cartinhas sorrateiras sob portas incautas de infelizes mais desempregados que eu há pouco.
Não duro dois dias no cargo, peço demissão e saio com os 15 dias de vales-transporte que me adiantaram. Nunca mais apareceu outra cartinha.