COMO ESCREVER UM CONTO
1. Personagens: fortes, densos e interessantes, ou fracos.
2. Espaço: Ambientar em algum lugar, eles não podem ficar
por aí no nada, como as árvores sem raiz e chão que
reprovam tantos nos psicotécnicos da vida.
3. Tempo: tem que ter a época ou o período em que se passa
a história.
4. Ação: eles devem fazer alguma coisa, ficar parado não
pode.
4 e 1/2. Deve ter mais coisas, mas vamos lá com isso
mesmo...
Exemplo:
. ÓSCAR E LOLA .
Óscar Ximite (pronuncia-se Quissimite) cansara de ser um
poste. "Essa vida de poste já deu pra bola. É trombada,
cahorro, cartaz e bêbado. Sem falar de uns caras trepando
em mim quase toda semana."
Oscar - apaixonado que estava por Lola, maior de
idade, cinza e branca, como a maioria das pombas, nada
especial, mas "uma alma como nunca vi", como repetia para
os colegas o resoluto Ximitão - decidira partir com a
futura esposa para outro lugar, uma ilha na Polinésia,
mesmo com risco de tsunamis [o Houaiss registra O tsunami,
não A tsunami, como insistem algumas emissoras], "qualquer
lugar é melhor que Curitiba com esse clima horrível!",
incitava la paloma. [Trechos longos deixam claro que você
não é jornalista e que conhece a escola russa de contos]
Seus amigos tentavam dissuadi-lo: "Que é isso, rapaz, vais
nos abandonar? Estamos ligados há tantos anos. Como vamos
viver sem você?". [Chico Buarque, ou o Vinícius?, diz que
não há brasileiro sem erro de concordância]
Isso foi há muito tempo, anos depois do Era do Gelo 3,
quando o esquecimento global já havia inundado o planeta.
"Lola, dê-me sua asa!" [O uso da ênclise logo depois de
vírgula, prova que as intenções do seu personagem são
sérias] "Vamos embora daqui!", decidiu certo dia Ximitão.
"Demorou, hein. Você sempre foi meio parado..."
Ato contínuo, Óscar livrou-se do cimento, da calçada que o
aprisionava há anos e saiu a passos largos e rápidos rumo
ao aeroporto, arrastando centenas de metros de fios e
deixando a região sem energia elétrica e sem comunicação
telefônica, e alguns sem tv a cabo. Não adiantaram os
rogos dos amigos, seguidos de protestos e imprecações.
Não chegaram a Polinésia. Nem saíram do Brasil, não tinham
passaporte e de acordo com um homem uniformizado no
aeroporto: "onde já se viu poste viajando de avião?". Lola
poderia ter tentado sozinha, mas, contrariando todas as
predições ("Vocês são muito diferentes." "Ela está
acostumada a altos vôos, liberdade." "Ela vai acabar te
deixando." "Isso não vai dar certo...") eles ficaram
juntos.
Hoje moram em São José, pertinho do aeroporto. Nos finais
de semana vão para a serra, para os parques, têm uma vida
tranqüila e vão vivendo.
[Ia esquecendo, tem que ter um final supreendente, ou não]
A irreprimível vontade de Lola de conhecer o mundo e o
risco quanto a ter filhos de Óscar levaram-na a finalmente
partir o coração de concreto daquele gentil móvel urbano,
agora suburbano. Conheceu um gavião e se mandou com ele,
não se sabe pra onde.
Ximitão voltou para os amigos, para casa, mas já havia
outro em seu lugar. Bonachão, engraçado, conhecia ótimas
piadas e tinha um passado cheio de mistérios, mas isso já
é uma outra história.