Microconto
Naquele dia dos pais ,amanheceu disposta a fazer o roteiro repetido durante os últimos doze anos: pegar a mãe e a filha,pra ir ao cemitério e depositar flores no túmulo do pai.
Nem sempre,contudo,os propósitos diários se efetuavam como ela desejaria e,por fim, acabaram não indo nenhuma das três.
A primeira falta de colaboração ficou por conta da própria manhã,que mais parecia um entardecer chuvoso e coriscante.Em dias assim,era difícil deixar a casa,muito especialmente quando ali devia ficar só um Poodlezinho mini-toy tremendo de medo.Decidiu levá-lo nos braços.Almoçariam juntas na casa da mãe,em companhia da filha e do irmão visitante hospedado na casa materna.
A segunda falta de colaboração ficou a cargo do clima interior do irmão visitante.O dito cujo era do tipo problemático.Aquela espécie de sujeito depressivo e deprimente,que utiliza-se de um pseudo-senso de humor pra destilar venenos. Insuportável azedume rescendia de suas forçadas gargalhadas teatrais,sempre resultantes da ironia e do sarcasmo.Quando era obrigada a estar com ele,todos os ponteiros do mundo giravam mais devagar.
A terceira falta de colaboração foi causada pela própria impaciência dela.Sempre que calou,ninguém se feriu.Quando podia falar e falou,o mundo se melindrou.Frustrada e amargurada,achou por bem retirar-se.
O pai,alheio e morto às coisas terrenas,jazia só e presente na ausência dela.
Retornou a casa, trazendo o mini-toy,as florezinhas que levou e a pena de não ter ido.As flores ,que pertenciam ao pai,perfumaram o ar chuvoso daquela noite,com toques de sândalo e madeira.
No dia dos pais de 2006.