Mão e contramão.
 
Ele era menino, moleque. Criado em cidade pequena, muito pequena. Ali, quando se ouvia o barulho de um carro, todos iam a janela sem se importar com a poeira que se levantava a sua passagem. O carro podia ir em qualquer direção que quisesse. Subir, descer, rodopiar, andar de ré. Qualquer movimento era motivo de encanto. Aí o menino se mudou, com a família, para a cidade média. E ficou completamente encantado e abismado com o movimento dos carros que passavam por ele sempre na mesma direção, subindo a rua. Ele se assentou no primeiro degrau da escada que levava ao sobrado onde agora iria morar. E nada do menino sair dali. A mãe não gritava seu nome bem alto para todos ouvirem, como fazia na pequena cidade. Ali, ela falava baixinho porque também estava assustada: Ronaldo, sobe, está na hora de comer. Venha tomar banho! E nada do menino subir. Então alguém, exasperado, desceu as escadas e foi perguntar-lhe o que estava vendo de tão importante que não atendia aos chamados da mãe. E assim foi perguntado e assim foi respondido: estou sentado aqui faz muito tempo. Já subiu um montão de carros, mas nenhum desceu. Vou ficar aqui até ver um descer. Foi a primeira lição que lhe ensinaram na cidade média. A de que na vida não se anda na contramão porque se andar vai se ferrar. Só que ele nunca aprendeu.
(em memória de meu irmão Silvio Ronaldo Alves de Melo)

Texto 15 de Pequenas Histórias Encantadas