VASLAV, o UPIR
por COELHO DE MORAES
Veja como anda. Tresloucado e tonto pela ruas. Nestes dias de sol, a roupa negra a queimar, e cabelos oleosos grudados na testa branca. Veja como anda. Sem muita unção e gritando desnorteado contra as pessoas que riem quando ele passa exalando um intenso cheiro de bolor. Um ser decadente. Um pouco do polvorinho de cor verde sobre-jaz a sua capa anacrônica. Mas ele grita e pede sangue e, é quando mais riem as pessoas. Os incautos, eu diria. Mas com certeza quem mais dá medo é seu cão, um cachorro áspero de olhos esquálidos e pálidos. Trôpego, quase sem forças para latir, coberto por um pelo gríseo, como se um velho fora.
Muitas vezes ele, Vaslav, o sujo Vaslav, se mostrou dessa maneira e em nenhuma vez - pena que ninguém se lembre, apenas eu - em nenhuma vez a aparição terminou bem, pois em seguida, na mesma noite, várias crianças desapareceram do povoado. Às vezes moças e rapazes. Isso eu notei, por isso um arrepio intenso alcançou-me quando Vaslav descia aos berros as ruas, arrastando seu magro animal por uma corrente de ouro velho. Ouro velho!
Nos moinhos, nas calçadas cinzentas, nos morgues e entradas de cavernas ele já foi visto, em sinistra caminhada. Saindo de açougues, passando sob pontes arcaicas e atravessando o vale dos trigais, Vaslav era notado sem muita piedade. Preponderava a mofa! O desaforo. E quando Vaslav percebia, ele gritava mais ainda. Uma voz esganiçada, muitas vezes pueril, pouca vez amistosa. Amistosa, nunca!
Lançava mil pragas aos céus! Agradecia abundantemente os campos santos e se esgueirava por eles desaparecendo entre tumbas e mausoléus. Desenhava nas paredes uma série de mapas que apontavam claramente onde cada coisa se escondia nas profundezas do que ele chamava Geena. No fim dessas sessões de pintura, Vaslav se espojava na vermelha e fria areia fina que estava sob seus pés, num surto inclemente, a saliva generosa escorrendo queixo abaixo enquanto seu cão se escondia temeroso. Em verdade, a cada irrupção emocional destas as casas ficavam vazias, cobertas de terror. E nesse meio tempo se dava a desaparição do pequenos seres, dos jovens e das moças. Mas, parece, ninguém ligava uma coisa com outra. Somente eu.
Por isso estou certo. Nem bem terminarei de escrever essas linhas e terei de tomar qualquer tipo de providencias, pois sinto que uma lufada de vento frio se fez presente em minha casa. O vento veio prenunciado por um ganir fraco, mas odioso. Após o ganir, como se uma charrua se arrastasse pelas vielas estreitas do povoado, a porta da frente se abriu estrepitosa e terei, então, de medir forças com Vaslav, o pobre e desajeitado Upir, sedento do meu sangue.
Até hoje somente ele venceu essas lutas.