A Baleia

Menina frágil. Foi gorda, evoluiu de forma babaca em quesitos intelectuais por refúgio. Ostracizada pela sociedade, aprendeu a ser letrada e musicada. Mas tanto nas canções quanto nos poemas, só procurava um mundo tranquilo, diferente do externo. É muito amada pelos pais. Ao fim da adolescência, abraçava o violão e as partituras como a um macho (na época, príncipe). Quando todo seu ciclo social começou, vida sexual, ela se viu para trás (uma vez mais) e decidiu adotar piadas sexuais em seu vocabulário para "seguir a onda". Abraçou o personagem. Hoje é virgem, lê livros ruins, e não sabe o que é farsa e realidade. Não é burra. Mas não dá.

Teve infância alegre, repito. E por demais, acrescento. O problema desta criatura está na época mais feliz da vida, ou na incapacidade de pôr um fim nela. Superprotegida pelos pais, sempre teve seus sonhos apoiados. Era a gordinha que animava as festas com imitações da Angélica. Na concepção paternalista dos responsáveis, atriz. Acreditou no filtro turvo. Quis ser atriz.

Foi, é, e será barrada por 20 quilos adicionais que sempre a acompanharam. Fez curso de teatro. No camarim, passava delineador nos cílios e confiava na voz interior de que "o importante é ter talento". Mas os risos contidos das modelos magras e esbeltas, que sempre estarão concorrendo, sempre ecoou por seus ouvidos. "A Claudia Gimenez conseguiu, eu posso", voltava a repetir em sua mente e coração, como um mantra bate-estaca. Mas não dá.

Escolheu jornalismo. "Beleza e inteligência, combinação fatal", pensara ao assinalar o cartão de inscrição. Mas no meio termo entre as vontades, de ser musa da beldade ou do intelecto, morre encalhada na praia. Como uma "baleia", a palavra secreta que risca seu corpo, arrepia sua espinha e ativa em espasmos elétricos os mais tenebrosos pesadelos do jardim de infância.

O ano foi 1991. Intervalo da escolinha. A "tia" se afastou, e a menina fofa de cabelos lisos em forma de cuia segurava quindim em uma mão, pirulito do Zorro em outra. Ela estava só - e pior - com outras pessoas de sua idade. Abraços? Risos? Pique-esconde? Não. Tudo que preencheu os anos primais daquela jovem, foi a palavra que seus coleguinhas repetiram: "Baleia! Baleia! Baleia! Baleia! Baleia!".