Dia do indio ?
O certo talvez seria dia do brasílico, que é o termo usado para designar a gente e coisas aborígines do Brasil, uma vez que os silvícolas, em sua mais intrínseca expressão, são os mais puros e verdadeiros brasileiros. A denominação de índio,foi imposta pelo europeu invasor que ao chegar em terras do Brasil, já encontrou esses aborígines,os únicos habitantes. Por falar nisso, já que estou no comando da pena, esclareço que irei retroceder ao século XVII objetivando verificar o tanto que as entradas e bandeiras foram perniciosas aos nossos gentios. Conta-nos a história que no estado de Goiás, onde resido, inúmeras aldeias foram incendiadas e dizimadas por essa bandeiras que aqui vinham com a finalidade de descobrir ouro para Portugal. Segundo registros, nessa ocasião aconteceram grandes morticínios e toda sorte de barbáries incentivados pela Coroa Portuguesa que chegou a determinar a completa extinção desses brasílicos.
Todas as nações aborígines sofreram com a invasão do dito civilizado, mas no caso presente, falarei apenas de acontecimentos que envolve a nação Xavante. Por que os Xavantes ? Por ser compadre do Cacique Xavante, Benedito Loazo, já falecido e também por ter sido amigo do Irineu Xavante, falecido recentemente, que além de amigo era detentor de um bom grau de instrução e pode então me repassar alguns fatos, que segundo ele, são sagrados e que estão na memória de seu povo, por ter sido contados de geração em geração. Os Xavantes são originários do tronco Jê.Eram chamados de Tupinambás e se preparavam constantemente para a guerra. Dispunham de uma organização quase militar e eram considerados quase imbatíveis e, por assim serem, eram temidos por todos os que se aventuravam pelos sertões de Goiás e Mato Grosso. Eram constantes as lutas contra o branco invasor.
Em 1.783, porém, o governador de Goiás, Tristão da Cunha, armou uma espécie de engodo visando a total rendição do povo Xavante. Conta-se que Miguel Arruda de Sá, a mando desse governador conseguira aprisionar um homem, quatro mulheres e crianças dessa etnia, que foram levados até a capital da Província de Goiás, Vila Boa. Para persuadir o restante desses aguerridos aborígines, Tristão da Cunha mandou libertar as prisioneiras e as crianças. Ao prisioneiro, deu-lhe o próprio nome e o tratou com todas as honrarias e dispensando-lhe toda a sua atenção. Satisfeito com as honrarias e com belos presentes, esse Xavante, agora denominado de Tristão da Cunha, viu-se convencido da amizade dos brancos. Por isso, à mando do governador, voltou para a floresta na tentativa de convencer seus irmão de raça a fazer um pacto de paz com os civilizados.
Depois de três meses embrenhado nas matas, ele retornou dizendo que estivera com os de sua tribo e, diante de seus argumentos, eles acabaram por aceitar a idéia de uma reaproximação com os brancos, acreditando, que seriam perdoados de algumas atrocidades praticadas anteriormente na defesa de seu território contra o branco invasor. Ledo engano, pois na realidade, a Coroa queria converte-los ao cristianismo e pacificando-os, esperava que não oferecessem mais obstáculos às descobertas de minas de ouro, tão somente. De fato, os Xavantes, cerca de 3000, aceitaram fazer o pacto e no dia 13 de janeiro de 1.788 foram recebidos festivamente no aldeiamento vigiado por militares, denominado Carretão(Pedro III) construído exclusivamente para eles, quando receberam as boas vindas e vários presentes, como prova da aliança e amizade eterna com os brancos. Nesse dia foi lido um documento aos aborígines com o seguinte teor:
“O nosso Capitão Grande, a quem os brancos, negros e as nações de vossa cor; Xacriabás, Carajás, Javaeses e Caiapós obedecem, aquele mesmo que, compadecido das vossas misérias nos enviou a convidar-vos em nossas próprias terras a fim de deixardes a vida errante em que viveis e virdes entre nós gozar os cômodos que vos oferece a sociedade civil, debaixo da muito alta, poderosa e maternal proteção de Nossa Augusta Soberana e Senhora Dona Maria Primeira, Rainha de Portugal, que habita além do Grande lago Oceano, me envia a aqui a receber-vos e cumprimentar-vos de sua parte e assegurar-vos suas boas intenções, oferecendo-vos estes presentes, sinais de uma aliança com que deseja firmar a paz, união e perfeita amizade, com que reciprocamente nos devemos tratar. Ao mesmo tempo, em nome do nosso Capitão Grande, vos faço real entrega desta aldeia, que para vosso domicílio tem destinado a qual, pertencendo-vos, de hoje em diante como própria, também sereis perpétuos possuidores destes dilatados campos, rios, bosques, até onde vossas vistas possam alcançar. E, para que o nosso Capitão Grande fique assás pesuadido de vossa resolução, sabendo de ciência certa e fé, obediência e inteira sujeição que à Sua pessoa tributais e à Nossa Invicta e Amabilíssima Rainha, se faz preciso que firmeis a vossa fidelidade com juramento de uma perpétua, inalterável e eterna aliança !”
Após a leitura desse documento, procedeu-se a inauguração e posse da aldeia Pedro III. Em seguida o Sargento-Mor lavrou o juramento com o seguinte teor: “Aos treze dias de janeiro de 1.788, perante as pessoas abixo assinadas, se apresentou o maioral da nação Xavante de Quá, e à testa da mesma prestou o seguinte juramento de fidelidade: “Arientomô-Iaxê-qui, maioral da nação Xavante de Quá, em nome de toda minha nação, juro e prometo, a Deus de ser, como já sou de hoje em diante, vassalo fiel da Rainha de Portugal, Maria Primeira, a quem conheço por minha soberana e senhora, mãe e protetora; e de ter perpétua paz, união e eterna aliança com os brancos, o que assim me obrigo a cumprir e guardar para sempre”.
Aldeia Pedro III, 13 de janeiro de 1.788 – (aa) Arientomô-Iaxê-qui, João Gervásio Pitaluga, Bento José Marques, José Pinto da Fonseca, Miguel Arruda de Sá e José Manoel de Almeida”.
Quase 100 anos se passaram depois de selada a amizade desses aborígines com os civilizados. Os Xavantes viveram misturados com aventureiros, garimpeiros e gente de toda espécie nesse aldeiamento vigiado por militares. Acabou acontecendo do governo não cumprir mais o trato com os Xavantes, não se lhes dando a devida proteção prometida. No aldeiamento começou a faltar de tudo. Estava impraticável até a alimentação dessa gente. Alegando que os aborígines eram improducentes e ociosos, resolveu a Coroa decretar sua extinção e dizimá-los da face da terra. Para tanto, acabaram por envenena-los com a aplicação de Cianureto de Potássio em suas cacimbas causando a morte de mais de 500 Xavantes. Desorientados com tal covardia, essa nação Xavante acabou por rebelar-se, fugindo para as matas, atravessando o rio Araguaia e rio das Mortes, fixando-se no estado de Mato Grosso e repelindo quaisquer tipos de contatos com os ditos civilizados. Isolados, vivendo na região do rio das Mortes, Serra do Roncador e divisa com o Pará, em Mato Grosso, os Xavantes só recentemente 1.946 (erro histórico, pois, à bem da verdade, o primeiro contáto com os Xavantes se deu 1.938 e 1939 através da Bandeira Piratininga) voltaram a ter contatos novamente com os brancos e mesmo assim quase foram dizimados por causa de doenças transmitidas quando receberam roupas usadas. Atualmente, já aculturados, correm o risco de perder sua identidade de povo verdadeiro.