O canarinho e Charles Darwin
Encontravam-se, na casa do Joãozinho, além de Joãozinho e dos pais do Joãozinho, os avós do Joãozinho – os maternos e os paternos – e um tio materno do Joãozinho. Conversavam, à mesa da sala-de-estar, animados, na manhã daquele sábado de calor intenso, a degustarem dos docinhos, das bolachas de nata e dos biscoitos de vento que a avó materna do Joãozinho havia preparado com todo o amor e carinho que lhe animava o espírito.
O pai do Joãozinho narrou algumas peripécias da sua juventude. A mãe do Joãozinho contou um episódio que protagonizou: seu pai a ensinava a andar de bicicleta, e ela, desajeitada, deu uma pedalada, e a bicicleta rumou, em linha reta, em direção à uma árvore; contra ela não colidiu porque seu pai a segurou a tempo de evitar a colisão. Riram, todos.
E todos narraram episódios hilários da juventude.
– São engraçados, hoje – comentou o avô paterno do Joãozinho. – Agora, que os recordamos, rimos. Mas nos preocupamos, na época em que se deram.
E as suas observações produziram muitos comentários, e inspiraram a evocação de dezenas de outros episódios, engraçados, diziam. E riram. E gargalharam.
E Joãozinho, que ria a bom rir, e narrava, com a desenvoltura que lhe era peculiar e o desembaraço que todos lhes reconheciam, algumas das suas aventuras, e assim que sua mãe fez referência ao canarinho, dele falou, animado, e todos o ouviram, atentamente.
– Um dia, já faz tempo, vi um canarinho amarelo, bem amarelo, na jabuticabeira. Ele estava com fome, e queria jabuticabas. Como a jabuticabeira não tinha jabuticabas, fui até à cozinha, e peguei um pedaço de mamão, e o pus, no chão, perto da jabuticabeira. Sentei-me, para esperar o canarinho comer do pedaço de mamão, no banquinho, que está no rancho, e não me mexi. Depois de um tempão, o canarinho desceu no chão, e comeu do mamão, dando bicadinhas com seu bico, que é bem pequeno, pequenininho. Depois de comer do mamão, ele foi embora.
– E para onde ele foi? – perguntou-lhe a avó materna.
– Não sei – respondeu Joãozinho. – Eu queria vê-lo novamente, então, no dia seguinte, pus um pedaço de mamão, um gomo de laranja e um pedaço de melão, no mesmo lugar que, no dia anterior, eu havia posto um pedaço de mamão.
– Você serviu um banquete ao canarinho – observou o avô paterno do Joãozinho.
– Empanturre-o, que ele engordará, Joãozinho – comentou o pai do Joãozinho, rindo.
– E o canarinho desceu para comer das frutas? – perguntou para Joãozinho a sua avó paterna.
– Sim – respondeu Joãozinho. – Fiquei, quieto, sem me mexer, e nem um dedo mexi, e nem piscar, pisquei, sentado, no banquinho, no rancho. Transformei-me em uma estátua. À espera do canarinho… E ele apareceu. E desceu, no chão, perto da jabuticabeira, e comeu do mamão, do melão e da laranja, dando bicadinhas, e olhando para os lados. Parecia assustado com alguma coisa.
– E depois? – perguntou-lhe a avó materna.
– O canarinho foi embora, e nunca mais voltou? – perguntou-lhe o avô materno.
– Voltou, sim – respondeu Joãozinho. – E eu dei frutas para ele: mamão, jabuticaba, limão, carambola, caqui, melão, melancia, banana, maçã, pêra, açaí, morango, cereja, caju, coco e pitanga.
– Você empanturrou o canarinho – observou o tio do Joãozinho.
– Não – defendeu-se Joãozinho. – Não o empanturrei, não. Eu, em um dia, dei-lhe mamão, no outro dia, morango, e em outro dia, maçã. Um pedaço de fruta em cada dia, e em todo dia ele desceu, perto da jabuticabeira, para comer de um pouco de fruta que eu lhe levei um pouco depois do meio-dia.
– Todos os dias – perguntou-lhe o avô paterno – o canarinho vai à jabuticabeira para comer as frutas que você lhe deixa?
– Sim – respondeu Joãozinho. – Ele sempre vai comer das frutas, todos os dias, um pouco depois do meio-dia.
– São dez e meia – anunciou o pai do Joãozinho.
– Daqui a pouco levarei um pedaço de fruta para ele – disse Joãozinho. – Tem melão, mamãe?
– Sim – respondeu-lhe a mãe. – E tem, também, banana e maçã.
– Vou levar-lhe um pedaço pequeno de cada – anunciou Joãozinho.
Joãozinho retirou-se da sala-de-estar, e, célere, rumou à cozinha, abriu a geladeira, e preparou a refeição do canarinho. Minutos depois, anunciou aos seus familiares a sua ida ao quintal, para levar a refeição ao canarinho. Seu tio e seu avô materno o acompanharam na jornada. Minutos depois, regressaram à sala-de-estar, Joãozinho, animadíssimo.
Neste momento, o pai do Joãozinho e o avô paterno do Joãozinho falavam de Charles Darwin e da teoria da evolução das espécies, enquanto suas avós e sua mãe falavam de culinária.
Joãozinho sentou-se no sofá, e intrometeu-se na conversa com perguntas que revelavam a sua curiosidade.
– Quem foi Charles Darwin?
– O que é evolução das espécies?
Essas foram as duas primeiras perguntas de Joãozinho. E seus avós, seu tio e seu pai apresentaram-lhe a biografia de Charles Darwin e explicaram-lhe, como puderam, a teoria da evolução.
– Os animais mudam de características com o passar do tempo – disse, em um momento da conversa, o tio do Joãozinho. – Eles evoluem. O que é evolução? É um processo natural pelo qual todos os animais passam, abandonando certas características, e assumindo outras, que os ajudam a viver melhor. Adquirem, como eu direi?, poderes que os ajudam a viver mais, a gerar descendentes, e a fortalecerem-se, para enfrentarem os seus inimigos, e vencê-los, e para obter alimentos. Um exemplo: Alguns passarinhos de bico fino migram para uma região distante, onde há frutas de casca grossa, e para quebrá-las é necessário que os passarinhos tenham bico grosso. E o que acontece? Morrem todos os passarinhos que não evoluem, isto é, que não desenvolvem o bico, para torná-lo grosso; com o bico fino não consegue romper a casca, que é grossa, das frutas, e morrem de fome.
– Todos os passarinhos morrem de fome? – perguntou-lhe Joãozinho, intrigado e entristecido, a imaginar muitos passarinhos a morrerem de fome.
– Não, Joãozinho – respondeu-lhe o tio. – Os passarinhos que evoluem não morrem de fome. Eles transformam o bico, que, de fino, torna-se grosso, e com ele os passarinhos rompem a casca grossa e dura das frutas, e, assim, sobrevivem.
– Os passarinhos ficam maiores e mais fortes? – perguntou Joãozinho.
– Sim – respondeu-lhe o tio. – É a evolução. Para enfrentar os predadores, o ambiente hostil, e obter alimentos, eles se transformam em espécies maiores, mais fortes, mais poderosas. Eles evoluem. É a evolução das espécies.
– E foi o Charles Darwin que inventou a evolução das espécies? – perguntou Joãozinho.
Todos caíram na gargalhada.
Passados alguns minutos do meio-dia, Joãozinho retirou-se, correndo, da sala-de-estar, e, indagado pelo seu tio, disse que iria ao rancho esperar pelo canarinho.
Trinta minutos depois, Joãozinho regressou, correndo, à sala-de-estar, a anunciar:
– O canarinho evoluiu! O canarinho evoluiu!
E pôs-se a falar, apressadamente, comendo sílabas, trocando palavras.
Pediram-lhe que tomasse fôlego, e, depois, dissesse-lhes o que havia ocorrido.
– O canarinho evoluiu – disse, por fim, Joãozinho, e todos o compreenderam.
– O quê? – indagou-lhe o tio. – O canarinho evoluiu?
– Sim – respondeu Joãozinho. – O canarinho evoluiu. Fui ao rancho, e esperei por ele; esperei um tempão. E eu o vi.
– O canarinho evoluiu? – perguntou-lhe o avô materno, intrigado.
– Evoluiu, vovô – respondeu-lhe Joãozinho. – Ele evoluiu. Eu vi. Eu estava, no rancho, sentado no banquinho, esperando o canarinho descer perto da jabuticabeira, para comer da maçã, do melão e da banana, e eu o vi. Ele evoluiu. Eu vi o canarinho descendo perto da jabuticabeira, e comer das frutas. O canarinho evoluiu. Está maior e mais forte. Ele se transformou num corvo.