*Minha filha Lu

Minha filha Lu

Invertamos os papéis. Digamos que você tenha uma escadinha de três filhos homens e, um belo dia, nasce uma menina linda que é criada em meio a quatro homens, que lhe cerca de mimos todos os dias o dia todo. Menina que se torna o xodó até dos vizinhos e, um dia, sem mais nem menos, ela some de casa num piscar d’olhos, na velocidade do vento, sem deixar rastros nem odores.

Quão desespero isso lhe causaria?

Por esse tempo, morávamos no Conjunto Bela Vista, em Teresina, de frente para a Praça, esquina com a Escola Pe. Joaquim Nonato Gomes, que tinha expediente ininterrupto e onde nosso filho mais velho estudava pela manhã.

Além dos nossos quatro filhos, a casa era abarrotada de crianças de todas

as idades e tamanhos, filhos de nossos vizinhos, porque nem todas as casas tinham televisão. Isso nos fazia conhecidos pela garotada num raio de centenas de metros. Muitas das vezes, tivemos que passar por cima das cabeças da petizada. Mesmo assim, nossas portas continuaram escancaradas.

Até que um dia, perto do meio dia, alguém perguntou:

– Cadê a Luluzinha?

Começava aí uma caçada ao tesouro perdido. Dentro da geladeira, debaixo da cama, em cima da casa, nas gavetas do guarda-roupa, dentro do forno, nos bolsos do paletó, dentro de minhas botas e nada! Onde diachos aquela pimentinha de quatro anos se socara? A confusão era geral.

É certo que criança tem que ser vigiada sempre, mas Luciana sabia que não poderia ultrapassar o portão sem um adulto e esse regulamento, pelo menos, ela cumpria muito bem.

Não muito longe dali, na escola já citada acima, a professora entra na sala para sua aula do meio dia e se surpreende com uma nova aluna assentada na carteira da frente, devidamente uniformizada, com sandálias japonesas de traseiras, calcinha, a camisa da escola que pertencia ao irmão, lápis e caderno.

Diante do inusitado, ela pergunta:

– Quem é esse “toco de gente” que está aqui?

– É a Luluzinha, professora! Ela mora ali na esquina. – responderam todos, porque a Lu era mais conhecida que farinha.

Por sorte, quando o alvoroço já nos dominava, vimos a professora atravessando a rua para o lado da praça, conduzindo-a pela mão. Era tão miúda que a camisa do irmão lhe servia de vestido longo.

Em casa, a professora ainda lhe disse:

– Não me volte naquela escola antes dos sete anos.

No seu primeiro dia de aula, não foi propriamente expulsa, mas chegou a ser convidada a não retornar tão cedo!...

Segundo ato:

Por esse tempo, tinha sido criada a Paróquia do bairro, com o nome de Nossa Senhora de Nazaré. Seu primeiro administrador fora Padre Roberto, um jovem sacerdote, que andava com seus paramentos numa pasta, pois o templo

em construção ainda não possuía lugares adequados. Por isso, não foram poucas as vezes que ele se paramentava em nossa casa e fazia agrados aos meninos. Era outro que conhecia a Luciana de longe.

Uma tarde, eu vejo Lu chegar de volta para casa aos berros, chorando como se a mãe estivesse com o pescoço na forca. Quando eu lhe indaguei sobre o motivo de tantas lágrimas, ela me respondeu:

– Aquele tal de Padre Roberto deu bolachinha pra todo mundo, só não deu pra mim. Buá, buá, buá!

Fiquei sem entender nada, até que me disseram que Luciana tinha sido levada pela primeira vez à Missa e, na hora da comunhão, ela notou que o padre estava distribuindo alguma coisa às pessoas. Imediatamente, ela se levantou, furou a fila e caminhou para seu desconhecido martírio.

Vendo-a à sua frente comas mãos estendidas, o padre sorriu, deu-lhe um beijo na cabeça e pediu que saísse da fila, pois falaria com ela depois.

– Aquele tal de Padre Roberto diz que me ama, mas não gosta de mim não... buá, buá, buá...

Hoje, Lu tem pós-graduação em História e até onde eu sei, enquanto ela

se lembrar do Padre Roberto, ela não voltará à Igreja nem amarrada...

Moral da história: Os caminhos da Educação e do Cristianismo são feitos

de não poucas renúncias, sofrimentos e choros.

– Buá... buá... buá...