*Meu Kurumim

Meu Kurumim

Benício, a quem chamo, carinhosamente, de Kurumim, é meu neto mais novo, com três anos de vida. Tenho outros dois: Daniel (Calanguinho) para quem escrevi Filosofia de Criança e Murilo (Marreco) de quem falei em Mãe é Bicho Esquisito.

Neto elogiando avós, não é coisa assim do outro mundo. Daniel dizia: Meu avô sabe tudo! Gracioso engano! Já vós elogiando netos chega a ser pieguices. Entretanto, há inúmeros casos dignos de registros.

Kurumim tem uma memória destacada e uma curiosidade incansável. Sempre que ele vê uma coisa nova, a indagação é imediata:

- Qual o nome disso? Então explicamos com detalhes, porque sabemos que outra inquirição já está engatilhada:

- Como funciona?

Quase diariamente, ele nos impressiona com seu vocabulário, que julgamos ser além da sua idade cronológica. Daniel também tinha muito disso. Quando pronunciávamos uma palavra de uso não muito corrente, a reação era a mesma.

Outro dia, Kurumim brincava com os pais na sala e, terminada a bagunça, a mãe lhe disse:

- Benício, agora ajunte seus brinquedos direitinhos na caixa. Não quero desordem.

O garoto deu silêncio como resposta e ligou a TV no seu desenho preferido. A mãe, que tem muito da minha, metida a “sargentona”, deu um tempo para ver o que aconteceria e depois, já partiu com o dedo em riste:

- Benício, eu lhe mandei guardar os brinquedos na caixa. Não irei mais repetir o aviso, você entendeu bem?

Raquel, a mãe dele e minha filha, contou-me depois:

- Meu pai, eu jamais esperava que aquele menino fosse me responder com uma clareza de raciocínio tão apurada. Duvido que Platão, na mesma idade, tivesse igual perspicácia. Mas o pior foi a delicadeza, pois não pude fazer nada, tive que engolir em seco em nome da Justiça.

- Mamãe, os adultos também brincaram!

Então, não tive saída que não fosse chamar o pai dele, para que nós os três, juntos, recolhêssemos os brinquedos....

Ato 2

Numa noite de sábado, eu, Anderson e Kurumim fomos deixar Raquel na Igreja de Jesus Ressuscitado, pois ela iria cuidar da ornamentação do templo, para uma solenidade de Primeira Eucaristia do colégio em que trabalha. Feito isso retornamos, retornamos para casa, quando de repente, aconteceu o diálogo entre pai e filho:

- Papai, mamãe esta trabalhando hoje por quê?

- Porque é necessário, filho, faz parte das ocupações dela.

- Mas isso não é justo, ela trabalha de dia.

Neste ponto, resolvi meter meu bedelho na conversa.

- Quem manda ela ser pobre!

- Minha mãe não é pobre, Vô!

- É sim. Pobre de marré deci!

- Não meu Vô. Minha mãe tem casa. Não mora na rua. Tem carro, tem casaco, tem muitas coisas que o pobre não tem.

- Verdade, meu filho. Desculpe-me. Não é vergonhoso ser pobre, mas de fato sua mãe não é pobre, especialmente porque ela tem trabalho, tem saúde, um bom coração e tem você. Você é o nosso maior bem.

Para uma criança naquela idade, não me parecia normal esse tipo de raciocínio.

Ato 3.

Certo dia, Raquel estava assoberbada de trabalho e Benício fazendo perguntas intermináveis e dando opinião em tudo. De repente, a mãe se exaspera e explode:

- Benício, por favor, fique calado, não me atrapalhe que você não sabe de nada.

O troco veio suave, mas quente que nem tampa de chaleira:

- Mamãe, quem é que não sabe de nada?

- Você. Você mesmo. Não sabe e ainda atrapalha os outros...

- Quem é que sabe de tudo?

- Eu, Benício. Eu sei de tudo.

- E como a senhora não quer que eu lhe pergunte as coisas?!

Ato 4.

Dr. Luís Carlos é um excelente médico homeopata que cuida de nossa família há mais de trinta anos. Antes de uma dessas visitas, Kurumim perguntou à mãe:

- Mamãe, doutor Luís Carlos é inteligente?

- Muito inteligente. – respondeu ela - Ele estudou demais para chegar onde está.

No consultório havia muitos brinquedos educativos para crianças, Kurumim pega um alfabeto grande, em alto relevo e pergunta ao médico, mostrando a letra B:

- Doutor Luís Carlos, que letra é essa? O médico responde:

- É um J.

- E esta? – perguntou ele de novo, desta vez mostrando-lhe a letra A.

- Opa! Esta é a letra G.

Ao apresentar a quarta letra e ouvir outra resposta errada, Kurumim perdeu a paciência e exclamou maneando a cabeça:

- O senhor vai ter que estudar mais.

Ato 5.

Recentemente, num desses domingos de intermináveis quarentenas, ao rezarem o Terço, Raquel falou ao Kurumim:

- Você escutou essa Benício? Menino Jesus se perdeu da família e foi encontrado no Templo. A resposta veio na bucha:

- Ah! Então na verdade Ele não estava perdido, o lugar Dele era mesmo lá.

Moral da treta: quem está no Templo não está perdido.

São coisas de minha família.