Operação Leva-Jeito
OPERAÇÃO LEVA-JEITO
Miguel Carqueija
A opinião pública de Patópolis foi surpreendida pelo escândalo envolvendo várias de suas mais importantes personalidades. Era grande a sensação de incredulidade quando a Operação Leva-Jeito, comandada pelo Procurador Berloque Gomes, resultou na prisão dos multimilionários Patinhas, Patacôncio e Macmoney e do famoso Mickey Mouse, conhecido por suas investigações perigosas em consultoria à polícia patopolitana.
O Dr. Berloque Gomes apresentou seu relatório à Justiça, fundamentando seus pedidos de prisão. Outros investigados, como Pateta e o Pato Donald, foram inocentados. Aqui está o arrazoado do procurador:
“Durante muitos anos fui investigador particular em Patópolis e pude conhecer de perto o Sr. Mickey Mouse e até mesmo trabalhar com ele em diversas investigações para auxiliar o Chefe de Polícia, Coronel Cintra. Eu pensei, por muito tempo, que Mickey era um rato honesto, já que levou à prisão diversos meliantes e era considerado pessoa de confiança pelo Coronel Cintra. Uma coisa, porém, me incomodava: Mickey levava uma vida de padrão muito elevado, e não tinha emprego nem profissão. Alegava viver de rendas. Sua casa, isolada das outras, tinha dois andares, sótão e porão, além de terreno e garagem, grande demais para o número de pessoas que ali moravam — somente Mickey e, quando se encontravam em Patópolis, seus sobrinhos gêmeos Chiquinho e Francisquinho. Em contrapartida o Sr. Pateta, amigo sincero de Mickey e que costumava acompanhá-lo nas investigações, arriscando a vida, morava num casebre caindo aos pedaços, mal tinha o que comer e se vestia muito mal. E no entanto, ao contrário de Mickey, Pateta trabalhava, embora não parasse em emprego.
É bem verdade que as investigações do Sr. Mickey — e em algumas eu participei ativamente — resultaram em muitas prisões, porém o caso do escroque João Bafodeonça me intrigou e muito. As prisões do Sr. Bafo (como era popularmente conhecido) nunca duravam. Ou ele conseguia fugir misteriosamente ou sua libertação era facilitada, de um jeito que os outros não conseguiam. O Sr. Bafo sempre conseguia o dinheiro da fiança, nos casos em que a mesma era possível. As quantias por ele roubadas em geral não eram totalmente recuperadas. Em cada prisão de Bafo o padrão de vida de Mickey melhorava ainda mais, ele realizava viagens ao exterior etc.
Quando ficou bem nítida em minha consciência a suspeita, pus-me a investigar toda a vida do Sr. Mickey. Concluí que ele há dez anos enrolava sua noiva Minnie, que já vivia continuamente mal-humorada por tal impasse. Há evidências de que ele explorava a noiva, que inclusive trabalha. Mickey cobrava da irmã para cuidar dos sobrinhos quando eles entravam em férias e vinham se hospedar em sua mini-mansão. Isso porque a mãe dos garotos até hoje possui poucos recursos e tem dificuldade em manter as crianças, cuidar delas, pois trabalha fora em horários apertados. Para o Sr. Mickey, que não trabalha, era muito mais fácil. Pior, nessa época cessavam as atividades do Sr. Bafodeonça, que nunca fugia da prisão (que provavelmente equivalia para ele a férias, como as dos sobrinhos de Mickey) nesse período.
Deduzi que tudo isso fazia parte de um acordo secreto entre Mickey e Bafodeonça. Ao “prender” o meliante, Mickey crescia em prestígio e adquiria aura de herói perante a mídia, as autoridades e a opinião pública. Bafodeonça aproveitava os curtos períodos de cativeiro para estabelecer contatos no submundo com outros presos, selecionando os que poderiam ser úteis. Um dos mais notórios, o Escovinha, surgiu desse jeito. A parte não recuperada dos roubos era dividida entre Mickey, Bafodeonça e outros cúmplices.
Investiguei o Sr. Pateta e o inocentei completamente, visto que ele era apenas manobrado pelo seu falso amigo.
Recomendo investigar o Coronel Cintra, que parece ter sido muito ingênuo em relação ao Sr. Mickey Mouse, a ponto de confiar nele missões que não confiava aos policiais regulares.
Quanto aos senhores Patinhas, Patacôncio e Macmoney, os três milionários, suas fortunas são totalmente exorbitantes sem que tenham contribuído para o desenvolvimento de Patópolis, cidade ainda hoje plena de desemprego, subemprego, favelas e falta de saneamento básico nos bairros da periferia. Além do mais, uma rigorosa investigação do Serviço Secreto evidenciou operações de sonegação de impostos, lavagem de dinheiro, evasão de divisas (lembrando que o Sr. Patinhas é escocês) além de desrespeito às leis trabalhistas.
Investigamos os sobrinhos do Sr. Patinhas. Os srs. Donald e Peninha foram inocentados, pois não passam de simplórios explorados pelo tio usurário. Recomendo uma investigação mais apurada do Sr. Gastão, que não tem emprego nem profissão e mesmo assim leva uma vida de alto padrão. Diz ele que tudo deve à “sorte”.”
Tudo indica que o escândalo, que já alcançou repercussão internacional, está apenas começando. Quanto aos presos e indiciados, todos eles, sem excessão, declararam que são inocentes e que nada fizeram de errado.
Rio de Janeiro, 17 a 21 de novembro de 2017
NOTA: esta fanfic (ficção de fã) apresenta personagens dos quadrinhos Disney. Berloque Gomes foi criado em 1952 por Riley Thomson.
OPERAÇÃO LEVA-JEITO
Miguel Carqueija
A opinião pública de Patópolis foi surpreendida pelo escândalo envolvendo várias de suas mais importantes personalidades. Era grande a sensação de incredulidade quando a Operação Leva-Jeito, comandada pelo Procurador Berloque Gomes, resultou na prisão dos multimilionários Patinhas, Patacôncio e Macmoney e do famoso Mickey Mouse, conhecido por suas investigações perigosas em consultoria à polícia patopolitana.
O Dr. Berloque Gomes apresentou seu relatório à Justiça, fundamentando seus pedidos de prisão. Outros investigados, como Pateta e o Pato Donald, foram inocentados. Aqui está o arrazoado do procurador:
“Durante muitos anos fui investigador particular em Patópolis e pude conhecer de perto o Sr. Mickey Mouse e até mesmo trabalhar com ele em diversas investigações para auxiliar o Chefe de Polícia, Coronel Cintra. Eu pensei, por muito tempo, que Mickey era um rato honesto, já que levou à prisão diversos meliantes e era considerado pessoa de confiança pelo Coronel Cintra. Uma coisa, porém, me incomodava: Mickey levava uma vida de padrão muito elevado, e não tinha emprego nem profissão. Alegava viver de rendas. Sua casa, isolada das outras, tinha dois andares, sótão e porão, além de terreno e garagem, grande demais para o número de pessoas que ali moravam — somente Mickey e, quando se encontravam em Patópolis, seus sobrinhos gêmeos Chiquinho e Francisquinho. Em contrapartida o Sr. Pateta, amigo sincero de Mickey e que costumava acompanhá-lo nas investigações, arriscando a vida, morava num casebre caindo aos pedaços, mal tinha o que comer e se vestia muito mal. E no entanto, ao contrário de Mickey, Pateta trabalhava, embora não parasse em emprego.
É bem verdade que as investigações do Sr. Mickey — e em algumas eu participei ativamente — resultaram em muitas prisões, porém o caso do escroque João Bafodeonça me intrigou e muito. As prisões do Sr. Bafo (como era popularmente conhecido) nunca duravam. Ou ele conseguia fugir misteriosamente ou sua libertação era facilitada, de um jeito que os outros não conseguiam. O Sr. Bafo sempre conseguia o dinheiro da fiança, nos casos em que a mesma era possível. As quantias por ele roubadas em geral não eram totalmente recuperadas. Em cada prisão de Bafo o padrão de vida de Mickey melhorava ainda mais, ele realizava viagens ao exterior etc.
Quando ficou bem nítida em minha consciência a suspeita, pus-me a investigar toda a vida do Sr. Mickey. Concluí que ele há dez anos enrolava sua noiva Minnie, que já vivia continuamente mal-humorada por tal impasse. Há evidências de que ele explorava a noiva, que inclusive trabalha. Mickey cobrava da irmã para cuidar dos sobrinhos quando eles entravam em férias e vinham se hospedar em sua mini-mansão. Isso porque a mãe dos garotos até hoje possui poucos recursos e tem dificuldade em manter as crianças, cuidar delas, pois trabalha fora em horários apertados. Para o Sr. Mickey, que não trabalha, era muito mais fácil. Pior, nessa época cessavam as atividades do Sr. Bafodeonça, que nunca fugia da prisão (que provavelmente equivalia para ele a férias, como as dos sobrinhos de Mickey) nesse período.
Deduzi que tudo isso fazia parte de um acordo secreto entre Mickey e Bafodeonça. Ao “prender” o meliante, Mickey crescia em prestígio e adquiria aura de herói perante a mídia, as autoridades e a opinião pública. Bafodeonça aproveitava os curtos períodos de cativeiro para estabelecer contatos no submundo com outros presos, selecionando os que poderiam ser úteis. Um dos mais notórios, o Escovinha, surgiu desse jeito. A parte não recuperada dos roubos era dividida entre Mickey, Bafodeonça e outros cúmplices.
Investiguei o Sr. Pateta e o inocentei completamente, visto que ele era apenas manobrado pelo seu falso amigo.
Recomendo investigar o Coronel Cintra, que parece ter sido muito ingênuo em relação ao Sr. Mickey Mouse, a ponto de confiar nele missões que não confiava aos policiais regulares.
Quanto aos senhores Patinhas, Patacôncio e Macmoney, os três milionários, suas fortunas são totalmente exorbitantes sem que tenham contribuído para o desenvolvimento de Patópolis, cidade ainda hoje plena de desemprego, subemprego, favelas e falta de saneamento básico nos bairros da periferia. Além do mais, uma rigorosa investigação do Serviço Secreto evidenciou operações de sonegação de impostos, lavagem de dinheiro, evasão de divisas (lembrando que o Sr. Patinhas é escocês) além de desrespeito às leis trabalhistas.
Investigamos os sobrinhos do Sr. Patinhas. Os srs. Donald e Peninha foram inocentados, pois não passam de simplórios explorados pelo tio usurário. Recomendo uma investigação mais apurada do Sr. Gastão, que não tem emprego nem profissão e mesmo assim leva uma vida de alto padrão. Diz ele que tudo deve à “sorte”.”
Tudo indica que o escândalo, que já alcançou repercussão internacional, está apenas começando. Quanto aos presos e indiciados, todos eles, sem excessão, declararam que são inocentes e que nada fizeram de errado.
Rio de Janeiro, 17 a 21 de novembro de 2017
NOTA: esta fanfic (ficção de fã) apresenta personagens dos quadrinhos Disney. Berloque Gomes foi criado em 1952 por Riley Thomson.