Brekete o Feliz Burrinho Injustiçado

BREKETÉ

O FELIZ BURRINHO INJUSTIÇADO

Lelces Xavier

MONÓLOGO

Oi! Eu sou Breketé, um burrinho já velho e cansado de tanto trabalho. Sou velho, mas já fui moço!

Nasci na fazenda esmeralda lá pras bandas do sol poente. Ainda novinho, fui vendido para um jovem como eu, chamado Manuel.

Pois bem, Manuel meu dono, a quem servi a vida inteira, tinha lá um sítio pequeno e ainda sem grandes benfeitorias. Ele era recém casado com uma bela potranca, digo, bela moça, chamada Josefa. Estava começando a vida. Sua fortuna era o sitio sem estrutura e eu seu burrinho.

Trabalhamos juntos a vida inteira, ele plantando e colhendo e eu carregando nas costas tudo que ele produzia e precisava levar para vender na cidade.

Todo dinheiro que ele ganhava, era produto do suor nosso em proporções mais ou menos iguais.

Ele embelezou o sítio, cercou todo ele com Arame farpado, estacas novas e fortes, construiu uma bela casa, a qual mobiliou por completo, e fez tudo isso seu moço com o dinheiro do nosso suor.

Sentia-me feliz e orgulhoso. Tudo aquilo, eu havia ajudado de bom grado a construir. Sentia-me um membro daquela família. Carregava sem reclamar as cargas de alimentos produzidos ali, carregava ele e seus filhos no lombo, e me contentava em receber como salário uma quota de ração.

A mim, só aquilo cabia, mas me satisfazia plenamente. Os anos foram passando e nos dois fomos ficando velhos.

Assim como ele já não capinava com o vigor de outrora, eu já não trotava com tanto ímpeto.

Achava eu tudo aquilo muito natural e achava também, que logo-logo, mereceria uma aposentadoria, e poderia assim, solto naquele terreno, viver minha velhice descansado por conta e por reconhecimento aos serviços que prestara a vida inteira sem reclamações.

Ah! Seu moço, que engano! Não havia reconhecimento algum. Certo dia, enquanto eu comia descontraidamente alguns caroços de milhos espalhados pelo terreiro, resto da alimentação das galinhas, ouvi o patrão conversando com a esposa. Dizia ele: ”sabe Zefa esse burro Breketé tá ficando muito velho e praticamente imprestável. Eu estou pensando em vendê-lo para o matadouro de jumentos que fica próximo da cidade, lá ele vira carne de charque. Com o dinheiro da sua venda e juntando mais alguns reais comprarei um burro forte e novo que possa me servi melhor que essa coisa velha que tenho hoje”.

Dona Josefa até que tentou dizer para ele que eu não merecia ser vendido para virar carne de charque, mas ele foi taxativo: “Não mulher, não posso sustentar um burro inútil, vai me custar um dinheiro que posso aplicar em benfeitorias para nosso conforto; vou vendê-lo e não se fala mais nisso.”

Olhe seu moço eu senti um frio correr pelo meu espinhaço, gelei dos pés a cabeça. Fui para longe da casa e lá fique matutando: “Inútil eu! E o que lhe fiz esse tempo todo não conta? Esborrachei-me de trabalhar, nunca reclamei, nada exigi, tudo aqui tem um pouco do meu suor! E o que mereço como recompensa é virar carne de charque? É demais, não dá para acreditar. Seu Manoel me parecia tão generoso! Como pode ser ele tão insensível e cruel? E que despesas eu daria comendo as ervas daninhas do sítio. Acho até que continuaria a prestar serviço combatendo o mato indesejável!.

Assim a meditar fui até altas horas da madrugada. Não conciliava o sono, tremia de medo e me indignava com a crueldade que o seu Manoel queria fazer comigo seu maior e mais dedicado companheiro de luta! Como é mau o bicho homem, Muito mau! Depois de muito remoer a péssima novidade, depois de esfriar a cabeça e tomar ciência de que minha vida corria sério risco, me decidi:

peguei um cantil d’água, um feixe de capim, coloquei-os nas costas e parti mesmo sem ter a mínima ideia para onde iria.

Caminhei madrugada adentro sem parar. Quando o sol raiou eu estava bem em frente ao matadouro de burro para o qual seu Manoel pretendia me vender. Tomei um tremendo susto, desembestei-me na carreira por mais de cinco horas, até que me achei num amplo terreno repleto de gramas fresquinhas, Cansado, como vocês devem imaginar, deitei-me debaixo de um pé de algaroba e ali dormi por um bom tempo.

Quando por fim acordei, pude ver que estava num verdadeiro paraíso. Um campo do tamanho do alcance da minha vista. Capim para Alimentar um monte de burros como eu, e o que é melhor, parecia ser tudo meu, só meu. Não vi qualquer outro animal por perto. Restava-me saber onde havia água para beber e me banhar. Fui olhando ao redor e dei com avista num matagal verdejante e viçoso o qual anunciava a existência de muita água. Cheguei até lá e comprovei minha suspeita: Um belo remanço, limpo e cristalino de água fria como água de geladeira. Não tive duvida: é aqui que vou terminar meus dias de vida.

O tempo foi passando e eu cada vez gostava mais do meu paraíso. Um dia, um homem montando um potro novo e forte, surgiu no horizonte, aproximou-se e ao passar por mim, parou. Olhou-me dos pés a cabeça e disse:

“Acho que esse burro é o meu Breketé, tá bonito, revigorado, nem parece mais aquele bicho magro e acabrunhado que fugiu do meu sítio”. Eu tremi como vara verde e pensei: “Minha boa vida chegou ao fim!” Ele tornou a me olhar e concluiu: “é ele sim”

Deu de mão a uma corda e quando ai amarrar-me ex que surgi não sei de onde, uma simpática velhinha em uma bela charrete e exclama: ”Esse burro não é seu coisa nenhuma, tire as suas mãos dele e saia da minha propriedade, por favor!”

A velhinha era a vovó Ane dona das terras onde eu vivia a um bom tempo e onde permaneço até hoje, agora sim, membro efetivo da sua família a quem sirvo com prazer, principalmente quando tenho que transportar em meu dorso seus netinhos, meus amiguinhos queridos.

Sou feliz, daqui não saio, daqui ninguém me tira!

Poeta lelces Xavier
Enviado por Poeta lelces Xavier em 23/10/2016
Reeditado em 03/12/2016
Código do texto: T5800763
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