O mormaço da tarde
Era nossa diversão e encantamento sair até a primeira esquina, na confluência das casas da Lia Fidélis e do João do Freire com a do Chiquim Aleixo, lá pelas duas e pouquinho da tarde para encontrar mamãe no caminho de volta da fábrica.
As admoestações do perigo do mormaço e da escandescência, feitas por ela mesma, eram convenientemente ignoradas por ambas as partes, para que se realizasse aquele momento mágico: ver mamãe coberta de fiapos de algodão, suada, extenuada, mas sorridente e com a gente, meiga que nem manteiga.
Nossa imediata preocupação nem era contar travessuras de outrem ou delatar quem deixara de fazer a obrigação: era mostrar os machucadinhos, as feridinhas, e ganhar, no beijinho, o selo da aprovação e de que a cura estava a caminho.
Mas qual não foi o meu tormento quando aquele inchaço bem no meio da testa foi diagnosticado como berne. Um vermezinho tinhoso feito ele só, que se aninha sob a pele. E isso foi só o começo do tormento, pois dali pra frente, com o berne, tinha-se que chegar ao cerne.
Tanta receita que se encomendava para extrair o bichinho, que ao cabo, o diabo não arredava nem um tiquinho. Falavam até em botar um pedaço de toucinho no lugar e quando o vermezinho saísse pra respirar, na armadilha cairia - e o toucinho dele se encarregaria.
Solução radical seria um médico a lancetá-lo, mas doutor no lugarejo, e naquele ensejo, só mesmo uma vez ao mês, atendido o desejo do freguês.
Paciência e espremeção, e veio a solução, ou o verminho se aborreceu, e cedeu. Adieu.