Mineiro Chico
O Chico era vizinho, amigo de passar longas horas a vagabundear comigo no quintal, ou na rua, e, além de companheiro, era o Chico mineiro. Na idade, levava-me uns meses à frente, e como tinha vindo de alguma roça acompanhando a família, tinha um mundo e um vocabulário todo peculiares. Falava mais errado do que eu, mas não se inibia - e muito menos o corrigia eu. Dizia coisas assim como 'trocê', 'purduziu', "inxertá", "inhantes" mas nada o impedia de ir contando suas histórias interessantes. E de me explicar os significados.
Uma de suas atividades favoritas - além do lazer quase permanente, já que as meninas é que faziam as coisas em casa - era catar garrafas vazias, arames, refugos de utensílios de alumínio " para vender", ganhar
uns cobres. Acho que ganhava, pois por minha experiência própria eu já ganhara uma moedinha de cinquenta centavos ao vender duas garrafas vazias - e limpinhas - ao Teco, dono do único bar do povoado. De posse daquele vil metal, tratei de convertê-lo logo em duas bolinhas de gude. Very goode, ou a gente se ilude? Mas mexer com metal velho, não era mesmo meu métier.
E o Chico começou a frequentar o catecismo antes de mim. Não havia como escapar à primeira confissão, mas havia um limite mínimo de idade que era observado. Acho que eram sete anos, que é quando o bom cristão vai se forjando em coisa mais palpável - e papável, já que ali vem hóstia - além do batismo e crisma.
As catequistas eram um par de irmãs, Rita e Ana da Maria Antônia, tanto zelosas de seus pupilos, sem muito se importarem com os seus cochilos. Quando o Chico voltou todo animado de sua primeira sessão, me confessou, um tanto perplexo com um 'alumino' que aparecera lá no meio da oração. Aquilo aguçou minha curiosidade, para ser logo esclarecido por tia Rita - que não era mais que vizinha das referidas catequistas e que, ela própria viria catequizar-me uns meses depois -
que o alumino, ou alumia, vinha de um trecho de oração em que se pedia ao Pai, ou ao Espírito Santo, para ser protegido e iluminado.
Nem 'iluminei' o Chico a respeito do esclarecimento. Não conseguiria convencê-lo de que um dia um bom alumino na cabeça de algum santo, em forma de halo, ele iria, sim, encontrá-lo.