Passeios com papai

Raras, mas caras, eram as caminhadas com papai pelas trilhas dos pastos e matas que separavam o vilarejo do Brumado da vila-regia de Pitangui. E nem precisava esforço para reunir a garotada: a uma simples chamada, já tavamos de pe na estrada.

Estradilha, pode-se dizer, pois que passando do açougue do Jirimia, já virava mesmo uma trilha. A presença do cantil, alguma arma leve de fogo ou de romper o gogo e as muitas recomendações de mamãe, pra tomar todos os cuidados e alguns outros babados, garantiam a segurança ou infundiam essa impressão.

E la íamos seguindo o pai, que sem muita pressa, ia explicando que arvore era essa ou que fruta era aquela e, dando aa imaginação a rédea, parecia verdadeira enciclopédia, tudo de mato sabia, alem do que era bom guia. O sol costumava castigar, espinhos, pedregulho, picadas de insetos, tudo aquilo pra pele maltratar, mas pra compensar, bastava respirar aquele ar, o cheiro do mato, ou alguma fruta mordiscar, naquele divino mas traiçoeiro pomar. Isso é marmelada de cachorro, mas pra fome da gente é um socorro, já aquela ali, mais gostosa, é o bacopari, e patatá patata patati patati...

E pra sede matar, a água do cantil era sem par, a menos que por boa sina se tropeçasse sobre alguma boa mina, aguinha fria, corrente, o estomago agradecia, todo contente. Nos pastos eram espaçadas as arvores, e apesar das cascas grossas, sua sombra benfazeja e como se fosse prum beato, o refugio duma igreja. Só que ali no campo, se menos se reza, mais se areja.

E olhando pra galhada acima era infalível achar algum ninho, de guaxo, acho, pois tamanho o seu desalinho. Ou quem sabe, de João congo, maior e ainda mais longo? Aqueles galhinhos todos, empilhados e pendurados, podia haver cena mais disforme? Mas vai ver que no seu interior,acolhedor, algum passarinho, agasalhadinho, não dorme?

Algumas árvores apresentavam certos sinais de arranhão que, pelo sim pelo não, eram pra se temer a onça, uma boa razão: nas grossas cascas afiara as garras o animal, e dali, fatal, seu bote na presa distraída era coisa mais natural. Bezerro ou potrinho, se sozinho, babau.

E a medida que se caminhava, papai mais casos contava e nem sei se em todos acreditava, mas a gente, interessado, escutava. E olhe ali, aquela arvore, frondosa, com um galho baixo que quase dava pra alcançar, pois foi ali que história deu de pegar: uma vez, uma onça dessas bem pedrez, saltou sobre o lombo de um cavalo e, no galope, no estalo, o bicho disparou, por baixo dessa árvore ali passou, no desespero, na hora agá, rente ao galho, o cavalo a cabeça abaixou, já pra onça no seu lombo, foi aquele tombo, e o sangue esguichou pela cabeça felina, que de encontro ao galho se rachou. Morou?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 24/01/2015
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