Pulos de Guiomar
Eu já estava na segunda metade do primeiro ano
primário - e ainda não sabia ler ou escrever. Tinha
começado pelo b-a-bá da Cartilha da Infância (aquele
penico da cagância, dizíamos sem que a mestra
ouvisse!) e não ia além do vovô viu a uva .
Ao mudar-me de minha freguesia para uma cidade com ruas
calçadas e foros de Comarca de Terceira Entrância, fui
matriculado num grupo escolar onde se já ensinava pelo
tal método universal: boa parte da meninada já sabia
ler, as meninas, principal e estridentemente.
Os meninos, ao que me consta - e me constrange - de
lembranças daquela fase, iam pouco além do clássico
monossílabo que, alegremente, grafavam com giz, carvão
ou caco de telha, em muros e janelas desassistidos - e
com acento agudo: cú.
Mas um dia cheguei em casa todo refesteloso e
jactante: Havia aprendido a escrever Guiomar pula vela
sem queimar!
Minha irmã mais velha, já aluna do Curso de Admissão,
e sempre boa aluna, além de ter letra bonita não
resistiu à minha clesice e me desafiou a mostrar minha
recém adquirida, e tão súbita sapiência.
Abri o caderno e lasquei aquela linha encaracolada de
ls minúsculos sucessivos, interligados e à medida
que ia correndo o lápis, em ascensão, para formar o
topo do l soltava os pulmões: puuuuuuuuula
veeeeeeeeeeeeela, e baixando: seeeeem
queiiiiiiiiiimar.
Mas não fui eu que inventei essa escrita, e nisso
forneci os créditos devidos: era uma Dona Mariana,
professora substituta, que nos ensinara a substituir
aquele montão de letras por movimentos mais
harmoniosos. Já da Guiomar, ainda hei de falar -
no dia em que ela com sua vela, irá se queimar.