Pulos de Guiomar

Eu já estava na segunda metade do primeiro ano

primário - e ainda não sabia ler ou escrever. Tinha

começado pelo b-a-bá da Cartilha da Infância (aquele

penico da cagância, dizíamos sem que a mestra

ouvisse!) e não ia além do vovô viu a uva .

Ao mudar-me de minha freguesia para uma cidade com ruas

calçadas e foros de Comarca de Terceira Entrância, fui

matriculado num grupo escolar onde se já ensinava pelo

tal método universal: boa parte da meninada já sabia

ler, as meninas, principal e estridentemente.

Os meninos, ao que me consta - e me constrange - de

lembranças daquela fase, iam pouco além do clássico

monossílabo que, alegremente, grafavam com giz, carvão

ou caco de telha, em muros e janelas desassistidos - e

com acento agudo: cú.

Mas um dia cheguei em casa todo refesteloso e

jactante: Havia aprendido a escrever Guiomar pula vela

sem queimar!

Minha irmã mais velha, já aluna do Curso de Admissão,

e sempre boa aluna, além de ter letra bonita não

resistiu à minha clesice e me desafiou a mostrar minha

recém adquirida, e tão súbita sapiência.

Abri o caderno e lasquei aquela linha encaracolada de

ls minúsculos sucessivos, interligados e à medida

que ia correndo o lápis, em ascensão, para formar o

topo do l soltava os pulmões: puuuuuuuuula

veeeeeeeeeeeeela, e baixando: seeeeem

queiiiiiiiiiimar.

Mas não fui eu que inventei essa escrita, e nisso

forneci os créditos devidos: era uma Dona Mariana,

professora substituta, que nos ensinara a substituir

aquele montão de letras por movimentos mais

harmoniosos. Já da Guiomar, ainda hei de falar -

no dia em que ela com sua vela, irá se queimar.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 16/01/2015
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