Pecado de cobiçar
Tínhamos um bambuzal no fundo do quintal, bonito, amarelado, quiçá desses que até pra um panda é boa quitanda. O que se dizia - mais se cochichava - é que quando aquelas folhagens passassem a altura da cumeeira, alguém da casa morreria.
O meu sonho, contudo, não era ainda a eternidade. Morria por uma vara de pescar, daquelas verdinhas, que o Vicente do Dico, nosso vizinho de casa e quintal, todo refesteloso, se comprazia em preparar, chamuscando-as numa fornalha. Papai que me advertiu que aquilo não era bambu como o nosso.
Era canafista - ou ele disse cana-fístula? - e que aquelas sim, é que davam as verdadeiras varas de pescar, inquebráveis, leves e práticas.E onde achar a canafista, meu Deus? Não sei se perguntei, se insisti com papai que queria uma delas, ou se satisfeito com as suas explicações me esqueci de anunciar o intento pescatório.
E também eu tinha muito a fazer, como me concentrar nos petrechos que ornariam a vera vara: a linha de náilon, o anzol, o encastôo de chumbo, até a carretilha, tanta coisa...E o nosso bambuzal, além daquela velada ameaça, tinha tão pouca serventia, que desgraça...
E passar a mão na vara do Vicente, seria indecente? Ou a solução, de repente? Matutei, pensei na casinha, da cerca tão-vizinha, onde o Vicente guardava suas ferramentas, seus trastes. E com aquela idéia, caí na apnéia. Ou eram os braços de Morféia?
E não foi longe dali que sobreveio nossa mudança, do povoado pra cidade, e se não pesquei, no pecado de cobiçar, sofistiquei mas só fiquei.