O VAGALUME E O BEIJA-FLOR
No alto da Montanha do Vento havia um lindo jardim. As flores de matizes e tamanhos diferentes, e as rosas de pétalas e perfume variados davam àquele jardim ares de uma grande beleza. A brisa mansa da noite derramava seu orvalho refrescante e os ventos da manhã e da tarde sopravam suavemente folhas, corolas, pistilos, estames, num balanço doce de ginástica rítmica.
Escondido no tronco seco de um ipê vivia Tonico, um beija-flor que não mais se adaptara à claridade. As retinas delicadas dos seus olhinhos miúdos haviam sido atingidas e marcadas definitivamente pela queimadura dos raios de sol. Protegia-se dentro desse tronco acolhedor. Durante os últimos dias adaptara-se à nova vida. Alimentava-se de pequenos insetos e bebia do orvalho que gotejava dentro da toca. Nunca pensara viver assim! As flores e as rosas estavam ali tão próximas e ele ali parado, perdido, cansado, marcado de dor e solidão. De vez em quando exercitava as asas que tantas vezes o levaram para se alimentar do néctar das flores ou para simplesmente beijar e sentir o perfume das rosas. Hoje, apenas sonhava com a chegada da noite e com ela a luz das estrelas que não feriam seus olhinhos doentes e desgastados. A noite era o seu presente maior. Não via quase nada; mas a sua visão limitada conseguia vislumbrar sombras que balançavam ou vultos estáticos. Alegrava-se! E o seu bico comprido aberto, confirmava esta alegria.
Os dias se passavam. As noites sucediam-se. Mas aquela noite... Aquela noite ele jamais haveria de esquecer. Com a cabeça fora do tronco pôde ver um raio de luz que voava. Era lindo! Nunca tinha visto um raio de luz assim, mesmo quando a degeneração ainda não atingira as suas retinas. Permaneceu como que em êxtase.
Não mexia. Estava estático. Quase nem respirava. O encantamento foi maior quando a luzinha foi se aproximando cada vez mais até pousar na entrada do velho tronco de Ipê. Seu coraçãozinho disparou. Aquele raiozinho estava ali ao seu lado, à sua frente. Uma vozinha tímida quebrou o silêncio e se fez ouvir:
- Quem é você?
- Sou um passarinho. Um beija-flor. Meu nome é Tonico. E você?
- Eu sou um vagalume. Sou inseto. Me chamam Raio de Luz. Você come insetos?
- Não você, Raio. Você ilumina, você irradia luz.
- Por que você se esconde neste tronco de Ipê?
- O sol queimou as minhas retinas. A claridade da luz do sol me incomoda tanto que os meus olhos não agüentam de tanta dor. Passo todo o dia aqui. Aprendi a comer insetos miúdos e a beber das gotas de orvalho que escorrem para dentro da minha “casa”. Antigamente não era assim. Eu voava e me alimentava do néctar das flores; ficava embevecido com a beleza das rosas e jasmins; respirava o perfume exalado dos bugarís; e o meu bico comprido era um agente maravilhoso de polinização. Hoje não mais visito o jardim; sinto apenas o perfume. Que saudade!... Que saudade!...
- E o que lhe falta para visitar as flores?
- Falta alguém que me ilumine; que ilumine o caminho que me leva ao jardim. Minhas asas estão fracas, mas dá para voar um pouco. A luz... Ah! a luz é essencial para que eu possa ver um pouco sem meus olhos lacrimejarem!
- Se você aceitar eu serei sua luz. Voarei à sua frente iluminando o caminho que nos levará até o jardim. E você beberá das flores... Voltará ao jardim...
- Você vai fazer isso, Raio? Você será mesmo meu Raio de Luz?
A Montanha do Vento parou. As estrelas não piscaram. Nenhuma folha se movia, nenhuma rosa se balançava. Tudo era silêncio, expectativa, atenção. E como que num estalar de dedos, tudo se transformou. Raio de Luz à frente, devagarinho, e Tonico um pouco atrás, arfante, cansado, porém feliz. Raio piscava sua luzinha com tamanha intensidade que deixava pelo espaço rastros de luz. O jardim estava próximo. Tonico sentia essa proximidade. De repente Raio de Luz pousou em uma rosa. E piscava... E piscava... Tonico esvoaçou sobre a rosa e beijou-a, sugando o mel do seu amor. Deslizou em suas pétalas, sentiu o seu perfume... Não podia conter a emoção! Era demais para um simples beija-flor. E duas lagrimazinhas caíram dos olhinhos miúdos de Tonico. Bateria quase descarregando, Raio de Luz exclama:
- Tonico, é hora de voltar. Amanhã passarei mais cedo e prometo uma grande surpresa!
Voltaram. Tonico voou para dentro do tronco. Raio de Luz despediu-se e saiu piscando na noite de um céu mergulhado em estrelas. Mal o dia raiara o beija-flor já ansiava pela noite. Que surpresa seria? O que Raio estaria preparando? O tempo passou rápido. Enfim a tarde esmaeceu. Tonico coloca a cabeça fora da toca e espera... espera... espera... Até que a surpresa se faz ver. Dezenas, centenas de vagalumes comandados por Raio acercam-se de Tonico. Era um espetáculo como nunca se viu. Raio de Luz toma a dianteira, seguido dos outros vagalumes e de Tonico. A noite parece dia. Tudo é luz. No jardim cada vagalume toma posse de uma flor. Ele fica todo iluminado. Centenas de luzinhas como pedaços de estrelas brilham, luzem, cintilam. Tonico voa, voa, beija uma flor, beija uma rosa, paira no ar, contempla todos os detalhes: cores das pétalas, tamanho das corolas, tipos de sépalas, quantidade de estames... Voa outra vez, regozija-se, vibra de alegria. Já é madrugada e outras centenas de vagalumes aderem a eles. Mais luz, mais claridade, mais encantamento. Todo o jardim entoa um canto de festa. Quando os primeiros raios da manhã despontam no horizonte avermelhado, Raio de Luz e os milhares de raios despedem-se das rosas e das flores, iluminando o caminho de volta de Tonico. Naquela noite Tonico recobrara a alegria de viver. E mesmo durante o dia, dormiu em paz.
A cada noite a festa era mais bonita; o jardim se iluminava mais e mais; a felicidade se fazia contentamento nas rosas e nas flores. O velho tronco de Ipê, carcomido pelo tempo e desgastado pela vida, renasceu iluminado pela luz de um vagalume e pela alegria contagiante de um beija-flor.
ALMacêdo