O MENINO DE PÉS DESCALÇOS
Juquinha, franzino garoto que habitava um humilde barraco na periferia da grande cidade, não tinha chinelos e nem sapatos para agasalhar seus pés, já marcados pela sola grossa pelas caminhadas que fazia pelos arredores do seu território, onde não existiam belezas, o córrego onde poderia banhar seu corpo franzino éra um esgoto à céu aberto, com mau cheiro, onde as moscas, os ratos e as baratas tinham seus habitats e se regalavam com as sujeiras ali jogadas pelos habitantes que não tinham noções de higiene e até seus excrementos tinham destino certo, atrás das moitas, onde faziam suas necessidades, por não existirem banheiros onde moravam.
Mesmo assim Juquinha era um garoto feliz e com seu cachorrinho Totó corria livre e desimpedido pelos curtos espaços disponíveis, sobras dos quintais onde os barrancos impediam que se avistassem os horizontes e ele poderia pelo menos ver a aurora que apontava logo cedinho e a luz do sól ia iluminando aquele cenário à medida que percorria o seu rumo naquele céu todo azul que ele contemplava embevecido, deitado de costas, escutando o bem-te-vi atrevido que lhe despertava do sono muitas vezes interrompido pelos lindos sonhos de menino que tinha.
No entardecer, ainda conseguia ver as nuvens adquirindo tonalidades diferentes, de todas as cores e imaginava que o sól ia se pondo atrás dos montes, após cumprida a sua estafante jornada pela terra, cenário que gostaria de ver, mas o barranco alto impedia ver o lindo cenário que se desenhava pela natureza que ali não tinha morada, pois tudo era feio, as matas não existiam e as flores, ah... as flores, nem imaginava suas formas, seus coloridos e nem seus cheiros.
Tinha um sonho e junto com seu fiel cachorrinho Totó já aprontava estrepolias subindo num pé de goiabeira plantada no pequeno quintal e ali se imaginava um palhaço arteiro, que sabia dar cambalhotas, fingir levar tombos, para delírio de sua platéia que imaginava ser só de criancinhas, pobrezinhas como ele mas que ficavam felizes com suas artimanhas, um garotinho ainda, mas engraçado e sorridente nas caretas que fazia tão bem.
Foi assim se esmerando na arte circense até que um dia um circo mambembe se apresentou na pequena Vila onde morava juntamente com seu pai, sua mãe e mais 03 irmãozinhos menores, que muitas vezes eram os únicos assistentes de suas proezas e aplaudiam o pequeno palhaço que tinha sonhos, só sonhos, pois a realidade da vida triste e miserável impedia que se concretizassem.
Pediu para seu pai que gostaria de assistir o espetáculo e vendo a tristeza que poderia acontecer com o filhinho que tanto amava e que junto com a esposa e outros 03 eram suas únicas riquezas, juntou uns trocados ganhos com a venda de materiais reciclados e felizes, foram no fim da tarde assistir o circo que iriam ver pela primeira vez em suas vidas.
Juquinha, atrevidinho, vestiu umas roupas surradas, calças no meio da canela, pintou o rosto de carvão e os lábios e pequeno nariz de vermelho, colocou um chapéu todo esgarçado e de pés descalços, entrou fazendo caretas e já despertando alguma curiosidade por parte de alguns assistentes e entre eles, artistas do próprio circo.
Dois palhaços se apresentaram fazendo suas graças e as gargalhadas que explodiam faziam a galera delirar, principalmente a criançada, entre as quais o Juquinha, que não sossegava e parecia até querer estar no meio deles, fazendo as palhaçadas que sómente ele e família conheciam, além do Totó, seu cachorrinho.
Até que um dos palhaços vendo o pequeno garoto caracterizado, foi até onde Juquinha estava sentado e o levou para o picadeiro.
Pediu para que ele fizesse algumas estrepolias e naquela hora, naquele momento surgiu um palhacinho que fez a platéia delirar como nunca se viu, pois foram tantas as estrepolias, os tombos disfarçados, as caretas, as piadinhas, as cambalhotas, as subidas rápidas nos troncos e se jogando no ar como fazia no velho pé de goiaba e caindo de pé, ágil como uma flecha disparada, que deixou até os artistas todos embasbacados com suas proezas que no final, todos o aplaudiram delirantemente.
Juquinha, à partir daquele dia se tornou o palhaço Laranjinha, para delírio de toda a garotada da Vila e sua fama logo se espalhou, recebendo convites para se apresentar em todos os bairros das periferias, pois fazia questão de sómente se apresentar para crianças carentes, bem pobrezinhas, como sempre foi seu sonho de menino, onde muitas vezes perdia o sono, se imaginando um palhaço muito engraçado, de nariz pintado, pés descalços, calças largas, rosto e lábios vermelhos e um chapéu todo arreganhado, as pontas esfareladas.
04-10-2011