O Batom *
Era o primeiro batom que aquela garota ganhava. Ela já usara o batom de sua mãe muitas vezes, mas aquele seria especial, porque pertencia a ela. E também porque era bem infantil, mais apropriado a sua idade, feito com produtos leves, naturais, que não lhe causariam irritações. Além disso, a embalagem era em formato de sorvete. De tão lindo e sugestivo dava até vontade de comê-lo.
Diante do espelho, ela não parava de rebocar a boca com aquele batom. Ás vezes passava a língua pelos lábios, experimentando o seu sabor, que era doce, com um cheirinho de morango. No entanto, ela estava cuidadosa, pois não queria danificá-lo.
Depois ela o guardava cuidadosamente numa bolsinha que usava a tiracolo, na qual só havia bujingangas. De instante em instante, porém, ela o retirava e reaplica nos lábios, sempre experimentando um pouquinho do seu sabor de morango.
A irmã mais nova, um bebê começando a dar os primeiros passos, só ficava observando. Sua mãe lhe dissera que ela ainda era muito nova para ganhar um igual. A menina concordava e imaginava que aquele bebê não entendia nada de batom e maquiagem, ao contrário dela, que já era uma mocinha.
Num momento de descuido, entretanto, a irmã mais nova encontrou a bolsa jogada sobre a cama e, dentro dela, o batom. Naquele breve instante, enquanto a menina se olhava descuidada ao espelho, a criança menor pegara o batom em formato de sorvete de dentro da bolsa, retirara a tampa e o mastigara completamente.
A menina chorou e chamou pela mãe, mas quando ela chegou, só deu tempo de retirar uma massa avermelhada e disforme de dentro da boca do bebê. O batom não existia mais.
* Kelly Vyanna. Membro da ACEIB/DF.
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