O Garfo*
Uma menina ganhou de presente um garfo. Ela tinha três aninhos, estava aprendendo a usar os talheres e gostou muito do presente, pois era um garfinho especial, com formato delicado e de tamanho bem menor do que os garfos comuns que ela era acostumada a ver.
Desde então ela só comia com aquele garfinho. Aprendeu a usá-lo bem depressa, para a admiração dos avós que faziam questão de mostrar aos amigos e familiares como sua netinha era esperta. Até fotos eles tiraram da menina comendo com o seu garfinho.
Se era hora do almoço e o garfo não estava limpo, tinha que ser lavado rapidamente, pois ela não aceitava outro talher. Se era hora do jantar e ninguém encontrava o garfo, era uma choradeira com promessas de 'nunca mais vou comer'. Os pais ficavam desesperados e tentavam manter o garfinho sempre à disposição da sua princesinha.
Ela era uma ótima menina, obediente, educada, inteligente. Mas era apegada às suas coisas e tinha mania de comer só com aquele garfo. Ela se sentia especial, uma verdadeira princesa porque acreditava que somente ela no mundo todo tinha um garfo como aquele. Então, se desde que aprendera a usar os talheres, ela comia com um garfo especial, como poderia aceitar outro talher? Para ela, isso era algo inconcebível.
A menina cresceu, se tornou uma linda jovem, mas continuou com a mania do garfo. Mesmo quando convidou seu primeiro namorado a almoçar, ela usou o seu garfinho diferente. Não a incomodava o fato de somente ela usar um talher daquele, enquanto os outros comensais usavam talheres semelhantes.
E foi assim até que ela foi se tornando adulta e um dia encontrou um noivo que a amava e com ele pretendia se casar. Sabendo do quanto ela gostava daquele garfinho, o noivo, querendo agradá-la, encontrou um monte de garfinhos iguais aqueles para lhe presentear. Na verdade, aquele garfinho não era tão especial assim. Ele pertencia na realidade a uma empresa aérea falida, que não estava mais no mercado.
Quando ela viu os outros garfos, todos iguais ao seu, ele pareceu ter perdido a importância. Pior foi ficar sabendo a sua procedência que de especial não tinha nada. O noivo não entendeu a razão por que ela ficou tão decepcionada com o presente que ele tanto se empenhara em conseguir. Mas pelo menos, ela nunca mais quis comer com aquele garfinho e começou a aceitar os demais talheres da casa.
Quando eles se casaram ganharam de presente um maravilhoso faqueiro de prata que era usado quando recebiam visitas. No dia-dia comiam com seus talheres comuns. Quando tiveram o seu primeiro filho, no entanto, os garfinhos da empresa aérea reapareceram. A menina, agora uma mulher, os havia guardado, apesar da decepção. Mostrava-os para o filho e lhe contava esta história, relembrando o quanto aquele garfinho foi e continuava sendo especial para ela.
* Kelly Vyanna. Membro da ACEIB/DF.
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