O menino e o sabiá
Afinal acaba-se
O silêncio da varanda
Pousa um sabiá
(Haicai)
Num certo dia, Ciro saiu do quarto e fechou a porta com cuidado. Não acendeu a luz do corredor, preferindo caminhar na penumbra: vinha pelo alto, das frestas das telhas, uma breve claridade da primeira luz da manhã. Deu alguns passos sem rumo certo na varanda. Era suave o ar, e por dentro dos galhos das árvores os raios do sol a correr e a subir abrindo-lhe os olhos ainda sonolentos. Foi sentar numa rede de tucum bem perto dum pé de laranjeira.
_Ah, o silêncio da manhã _ falou para si.
Suspirou. E lembrou-se do pai. Assoviou uma canção que aprendera dele nas noites em que ficavam conversando até altas horas. Falava de um menino e uma porteira. O pai sempre lhe dizia dos homens que adentraram no sertão com o gado. E Ciro sorria olhando as estrelas... pés no chão... seus olhos nos dele... E julgou ver-lhe a imagem na outra rede do lado. Como se vai para sempre, se esse alguém ainda mora em nosso coração?... Uma gota de lágrima lhe veio assim triste, assim doída por dentro...
Ciro era um menino pequeno. Tinha uns oito anos num corpo franzino. Sua pele muito clara não o deixava brincar demasiado tempo ao sol com os outros meninos. Havia sempre aquela impressão do mundo ser tão grande longe da sombra da varanda; ouvia os gritos da meninada no riacho... Sploch, sploch, sploch... Sabia ser o som dos bracinhos dos amiguinhos batendo nas águas... _Você, não! O sol é forte, molesta sua pele branca!...
E o pai dava, nesses momentos, um assovio estrídulo, assustando os devaneios do filho. Então a criança se esquecia dos meninos no riacho, o coração aos pulos a correr pelas viagens inventadas pelo pai. E Ciro se via erguido aos ombros do seu grande herói. E gargalhava, subia ladeiras, galopava nos campos, voava nos ares...
Mas um dia despertou dos sonhos, em casa, grande tumulto, velas acesas, choros de sua mãe, a tia a lhe enxugar as lágrimas. Ele sem querer olhar o pai estendido dentro do caixão de madeira. Caminhou quase cego entre os presentes, o peito apertado, um nó na garganta... Depois... seguiram pela rua... em rezas de terço... e ele a assistir a tudo... Ele, uma criança agora sem pai...
… Um gorjeio de sabiá enroscou-se nas flores da laranjeira. Encheu toda a manhã. Um som aveludado, suave. Notas de melodia a embaraçar os pensamentos de Ciro. Um sabiá de ventre ferrugem em seu canto persistente de linda campainha a acordar o coração do menino. O pequeno ainda fechou os olhos, a privar-se da imagem, a refugiar-se em si mesmo; escondido dos sons e das cores que se precipitam na manhã e correm um pouco mais...
. .. Um dia, um menino viu um sabiá preso dentro de uma gaiola... Era um pobre bichinho sem alegria... Podiam-lhe fazer: piss, piss, piss que ele não cantava. Ah, quando pude_ contara-lhe o pai certa vez_ abri a portinha da gaiola e sabiá voou desajeitado... mas foi só um instante... logo, logo era dono do céu azul!...
E na varanda, quando o sol entrou... havia um menino gorjeando com um sabiá...