Tenho frio

E no caminho para Towada, em meio à floresta, Isamu foi surpreendido por uma nevasca tardia, de início de primavera. A tarde estava no fim, e ele começou a ficar preocupado, pois não havia nenhum abrigo visível e durante muitas horas, tampouco avistara vivalma a quem pudesse pedir ajuda. E, para completar, ao dobrar uma curva da estrada, ele viu algo que o encheu de temor.

Havia uma velha ponte de pedra sobre uma ravina, no fundo da qual corria um ribeirão. Necessariamente, ele teria que passar por ali, mas parada no meio da ponte, estava uma mulher. E não era uma mulher qualquer.

- Yuki Onna... - murmurou, diminuindo a velocidade dos passos.

A mulher, jovem e de beleza estonteante, era também de uma brancura sobrenatural, semelhante a osso, vestida com um quimono igualmente alvo, que contrastava vivamente com seus lábios vermelhos como sangue e seus cabelos, negros como uma noite sem lua. Estava ali, imóvel em meio a neve que caía, como se o estivesse esperando - ou a qualquer viajante perdido naquele ermo. Isamu sabia exatamente o que ela queria, e sua vida dependia de saber interpretar o como ela iria proceder para obtê-lo. Parou para pensar, no meio da estrada.

E foi então, que ela falou:

- Tenho frio - disse, com uma voz musical.

"Certo, ela falou primeiro", pensou Isamu. "Eu devo responder? Ou ignoro?"

Não precisou pensar muito para concluir que, se não respondesse, também não poderia avançar, já que a Yuki Onna não parecia disposta a sair do meio da ponte. Reuniu toda a sua coragem, tomou fôlego, e perguntou:

- Você quer se aquecer comigo, Koshimusume?

- Venha até mim - respondeu ela, sorrindo.

Isamu carregava uma pequena bolsa de pano pendurada no cinto, contendo o seu hiuchibukuro: um conjunto composto por uma pedra de ágata e um pedaço de metal, preso a uma plaquinha de madeira. Sem pressa, retirou os objetos da bolsa e segurou um em cada mão. Depois, caminhou resolutamente na direção da Yuki Onna. Parou cerca de um metro à frente dela, e, num gesto rápido, estendeu os braços e bateu a pedra contra o metal. Centelhas espirraram sobre a criatura sobrenatural, que deu um grito e cobriu os olhos com um braço.

- Você não está com frio? Eu vou te aquecer! - Gritou Isamu.

Ele continuou avançando, provocando uma chuva de fagulhas sobre a entidade, que, com um grito final, arrojou-se da ponte e desapareceu como neblina nas águas do ribeirão lá embaixo.

- Salvo pelo kiribi! - Exclamou Isamu, referindo-se ao costume de jogar fagulhas sobre alguém que parte em viagem, para lhe ensejar proteção. Só que ali, o ritual fora feito para despachar a entidade de volta ao mundo dos espíritos.

Isamu tornou a guardar o seu hiuchibukuro na bolsa de pano e, tendo agora a passagem desimpedida, seguiu seu caminho. Muito haveria que andar até Towada, e que outros perigos poderiam estar à sua espreita naquela floresta escura?

- [18-10-2017]