Miniconto "Sublimação"
Há muito tempo eu não via a beleza de um verme, atravessando a carne com deleite.
Mas estar sentado junto às velhas árvores, do pequeno bosque, bem no meio da cidade, me fez novamente ter esse justo prazer. Era simplesmente difícil ter que aceitar alguns conceitos, quando se olha para dentro de uma igreja onde um corpo é velado. Ouvia as crianças assustadas e pessoas chorando, apenas expressando seu egoísmo pungente.
Eu pretendia ficar ali, observando o verme consumir os restos do pássaro, mas aqueles gritos de dor vindos da igreja não me permitiriam. Há tanto tempo sentado naquele bosque, ouvindo e vendo diversas formas de egoísmo se reproduzir no tempo, sendo que nenhum deles era maior do que pessoas chorando por alguém que morrera.
Porque de fato, elas choravam, pois dali em diante, de algum modo, teriam que viver sozinhas, de algum modo a solidão, à qual eram tão desacostumadas, reinaria.
O choro era a maior expressão de egoísmo, pois choravam, por si próprias.
Vi o cortejo sair, e seguir a pé pela pequena cidade, e pela primeira vez, não o acompanhei.
Eles não precisavam de minha companhia, eu não tinha mais utilidade.
Naquela madrugada mesmo, me ausentaria, esperando que todos os mortos de quem eu cuidava naquele campo, se ausentassem, e por algumas horas satisfizessem o egoísmo dos deixados para trás.
Naquela noite eu permaneci no velho banco, apreciando o pequeno verme, pois de todas as criaturas, ele é a mais pura, aquele que consome o tempo, e deixa o Anjo da Morte estarrecido de prazer, pois se desfaz da carne... restos de lembrança, sem egoísmo algum, permitindo o esquecimento...refazendo a névoa das almas soltas na terra.