Aline
Seus olhos procuravam na rua escura por uma alma sedurota e suculenta. Aquela noite seria a noite ideal. Ela tinha certeza que a fera estava pronta para renascer. Um fogo tão familiar quanto seu reflexo no espelho palpitava entre suas costelas. Entre seus dedos dançava uma moeda do século XIX, sua relíquia, roubara de um colecionador de moedas a cerca de oitenta anos, ele fora lindamente massacrado por ela, e ela adorou cada segundo daquele teatro sombrio, mas, isso é história para outra data.
Sua lingua macia e delicada tamborilava com leves e sonoros tic's. A pressa sempre fora sua maior inimiga, ela não se continha quando estava à caçar, seu instinto era trezentas vezes mais forte que ela - só não ganhava da necessidade de sentir prazer com homens- e, ainda assim, brincar com eles depois.
A lua gritava para ela lá em cima, naquele céu sem estrelas, naquelas nuvens tão rasas, naquela imensa profundeza sem cor. Aves voavam tão perto do seu corpo, seu cabelo voava leve sobre a brisa de outubro, suas pupilas se contraiam com o prazer daquela majestosa sensação de desespero, ela necessitava, ela precisava viver!
Gritos no fim da rua despertaram-na de seu devaneio, ela sentiu cheiro de carne, de álcool, de droga e... o que mais exalava, ferormônio, ela estava pronta, e alguma criatura muito burra também, e ela pulou do prédio mais alto da cidade em direção a única coisa que poderia matar sua sede por sangue - a morte!
Ela se movia rápida e silenciosamente por entre os becos que se seguiam até poder avistar seu alvo, ela sentia o estranho formigamento que começava na ponta dos seus dedos e tomava a moeda que ainda dançava levemente por eles.
Quando chegou onde estavam ela viu, três homens, estavam de costas para ela, virados em direção ao muro, apenas três homens... Espere, uma perna nua e lisa, uma mulher! Uma mulher estava escostada na parede, então por isso os gritos. Era um assalto provavelmente, ela não queria saber, apenas queria saciar sua fome, uma besta alimentada pelo amargo sangue derramado.
Ela esperou e esperou e esperou, até que os três homens se satisfizessem com a mulher, e então esperou mais um pouco até que os três seguissem caminhos diferentes, e então seguiu aquele que ela escolheu.
Ele era alto, braços fortes, o cabelo chegava aos ombros e eram lisos, tinha uma tatuagem no braço esquerdo em forma de um minotauro - era tudo que ela conseguia ver atrás dele. Então resolveu aparecer...
-------------------------------------------------------------------
O vento soprava forte e firme, o frio o abraçava, ele desejava ter trazido sua jaqueta, estava muito frio. Caminhava em direção ao seu apartamento, as ruas vazias não lhes davam mais medo, os sussuros eram apenas mais sinais de que a noite vivia além da escuridão.
Pilhas e pilhas de livros o esperavam em casa, o outro lado, a manhã seguinte seria conturbada e desesperadora, a banalidade das coisas, de manhã um estudante de medicina, de noite, um vagabundo de quinta que se drogava com os amigos e se aproveitava de prostitutas - Ele riu da própria piada sem graça.
Passos, passos lentos e quase inaudíveis. Ele olha para trás, e para os lados e não encontra nada, abaixa a cabeça e segue em frente. Novamente ouve o som de passos, e agora estão mais próximos, olha para a frente, e sobre uma neblina que se rasteja sobre o chão, uma linda mulher desfila em sua direção, ela é linda e inumana, seus olhos têm um negro profundo e assustador, seus lábios desenhados por um Deus pedem para ser beijados, seu vestido justo e negro revela lindos seios, era como um demõnio enviado para satisfazer seus instintos de homem.
Ela sorri.
Ele retribui.
Ela se aproxima dele.
Ele a admira de cima a baixo.
Ela sem falar nada o beija, e ele retribui. Mas sem saber o que o espera...
-------------------------------------------------------------------
Já havia chegado a hora, ele estava no auge do prazer, e ela cansada daquele teatro, era hora de por as mãos em obra. Ela sai de cima dele e pensa no que fazer. Ele pergunta porque ela parou. Ela não responde. Ele está algemado na cama, a cena perfeita, o crime perfeito, a morte perfeita.
Ela então resolve fazer a mesma dramaturgia de sempre.
Sua unha cresce fina e pontiaguda, e muito mortal.
- Ui gatinha o que é isso? - Pergunta ele com certo tremor na voz, o que a diverte muito até então.
Ela não responde nada, apenas enfia a unha em sua mão, e ela a atravessa sem um pingo de esforço, fazendo a carne se abrir e o sangue jorrar da palma, isso o assusta, ele grita, e no mesmo instante ela está tapando a boca dele com os lençois.
Depois ela leva sua mão a boca e lambe todo o sangue, um prazer delícioso passa por todo seu corpo, finalmente iria saciar sua necessidade por sangue.
Ele grita diversas vezes, mas os gritos são abafados pelo pano, ela sorri do seu desespero e fala baixinho ao pé do ouvido - Que tal conhecer o inferno?! Depois deixa suas presas fluirem de dentro para fora, e as enfia no pescoço dele.
O sangue fluia doce do seu corpo, ele era tão bom! ela não queria parar, queria provar o sabor da vida até a última gota mas, ainda estava cedo para isso, ela queria brincar, e ele estava tão quietinho.
Sua respiração ainda estava lá, e o coração batia fracamente em direção ao fim, seus olhos fechados demonstravam cansaço e desistência, ele sabia que era o fim, e ela não queria fazer com que ele esperasse mais tempo por ele, queria?
Ela começou abrindo seu peito, sua barriga. Ela adorava brincar de médica, abrindo os corpos e retirando cada orgão com cuidado, era um hobby, o que ela poderia fazer?
Horas depois ele estava completamente fora dele mesmo, apenas o rosto estava intacto, ela adorava admirar aqueles olhos sem vida, e a fina marca em seu pescoço. Só a mera lembrança de cada segundo era assustadoramente prazeroso, ela adorava ser o que era, adorava sangue, e o sangue dele, fora tão bom quanto o outro, se pudesse - e quisesse- ele seria como ela agora, mas existiam outros prontos para brincar mundo a fora.
-------------------------------------------------------------------