solidão
Ontem, o dia permaneceu nublado. E assim o foi em todos os sentidos. O espaço de escape semanal dele foi contaminado pela tênue escuridão do exterior. Na oficina, as ferramentas executaram as ordens do mecânico e, uma a uma, em seus pares, se encontravam. Acariciavam-se. Abraçavam-se. Ele se viu ali, sozinho. Era tudo muito teatral, era para ser assim. Suas reações deveriam ser assim. Mas aquilo o contaminou. Fora contagiado pelo nublado ar que ora se manifestava naquela sala. O mundo conseguiu obter por difusão o pedaço da alienação dos seus sentimentos. Foi entregue. Ali era realmente ele. Não conseguiu se proteger. Foi exposto à própria realidade de maneira tão cruel. Não podia sequer correr. Não pôde fugir. Ficou ali, no centro de tudo, deparando-se com a própria vida, desnuda. Sua constatação foi ali, aos olhos de todos. Seu medo e sua realidade pareciam estar lado a lado, diante daqueles olhos castanhos quase marejados. Estava sozinho, mas não estava sozinho. Pausa. Acabou. "Como foi?". Com a voz embargada, respondeu: "foi horrível".