Encontro ao anoitecer
O sol caindo por entre as árvores, morrendo. Seus raios cada vez mais opacos, frios. Como se uma tristeza imensa absorvesse seus raios quentes e claros os transformando em simples palavras vazias, silenciosas. E por entre as nuvens seu leito tornava-se mais rápido, porém, não menos sublime e triste. A escuridão, já cortava nosso céu, pouco claro no momento. Então quando eu pensava que a noite e seu grandioso mar de estrelas haviam absorvido a claridade do dia, usurpando até o próximo amanhecer, eis que, como um derradeiro suspiro, um raio de luz sai percorrendo a galope por detrás das nuvens. Mas este raio de luz era fraco. De uma eufórica corrida até uma agonizante caminhada, sucumbindo na face pálida e gentil de minha amada que se aproximava, onde desapareceu dando lugar ao mar de estrelas e a lua, que já brilhava acima de nós.
“Como ela é linda.”
Caminhava como se flutuasse por cima da grama. Seus passos eram firmes e temerosos. Apesar da noite já ter iniciado seu reinado, minha deusa lua iluminava todas as suas curvas até a mais simples delas. O clarão noturno, o olhar da lua, mesmo que como uma lágrima caída, como um rabisco de luz também iluminava a rosa espremida na mão, com toda a delicadeza que essa rainha de meus pensamentos pode ter. Sabia ela, que além de todo seu corpo, somente as rosas, essas sublimes e singelas rainhas de beleza meus olhos buscavam.
“Como descrever ela... Divina, seria esta a palavra.”
Ela percorria todo o caminho, com aquele oculto sorriso nos lábios. Lábios ao qual, como todos os nossos encontros, seriam banhados por lágrimas que o vento e a brisa secariam em breve. Seus olhos, lastimosos olhos, percorriam todas as moradas procurando pelo ocupante. Até encontrar-me. E um fio de lágrima sair de seus olhos. Seus longos cabelos escuros, leves, com a brisa pareciam que recebiam vida. Uns poucos fios caiam em seu rosto, uns mais salientes, além de morrer em seus lábios, ainda roçavam seus fartos seios. Um lindo colar com uma cruz enfeitava seu pescoço, dando mais divindade a minha bela visão. Um vestido branco caia e escondia seus pés. Apertando e deixando mais aveludado e macio seus seios. Uma fita branca percorria toda sua cintura. Seus braços eram encoberto por umas luvas, que se iniciava nos cotovelos descendo até as delicadas mãozinhas. Algumas pulseiras e outras jóias nos pulsos davam um ar de ninfa nessa imagem angelical.
- Oi meu amor – ela disse, com uma voz que percorria meus sonhos, minha eternidade, meus desejos – passarei essa noite com você. Sei que deve estar pensando se não tinha um lugar melhor pra eu passar noite... Mas não tenho... – sua voz silenciou-se – gosto de deitar-me aqui com sua imagem percorrendo meus pensamentos. Sei que posso fazer isso em todos os lugares do mundo. Mas sinto que aqui, ao seu lado, isso parece ser mais real.
Adorava quando ela ficava nervosa assim. “Para um desconhecido, aquele anjo, era sempre assim, mas ela não me enganava. Silêncio. Oh menina, você fala demais.”
- imaginei você me silenciando, sempre fazia isso. Já que era o único que sabia quando estava nervosa, soltando palavras sem sentindo – seu tom melodioso e calmo era constante.
Daqueles lábios, daquela alma, daquela pessoa sentada ao meu lado, sabia quase tudo.
Ainda lembro como se fosse ontem... A chuva percorria a noite toda, uma constante chuva. Silenciosa, fina, sublime chuva. A lua de tão invisível apenas espiava por entre as nuvens negras que pairava no céu. E derrepente uma voz melodiosa, acompanhada de um piano chegou aos meus ouvidos. Não era apenas melodiosa, era triste. As notas percorridas pelo piano estavam se arrastando, mórbidas, porém grandiosas, perfeitas, lindas. Procurei em todas as janelas daquele lugar, de onde saia essa música. Já ia alta as horas da noite neste momento e quase todas as janelas daquela rua estavam fechadas, apenas uma mantinha-se aberta e iluminada. Como se a chuva havia cooperado comigo, a chuva tornou-se um sereno, e o vento forte que cortava as ruas calou-se transformando em uma leve brisa. Ao lado da janela, uma arvore serviu de escada para minha loucura. E lá estava ela, sentada ao piano. Seus dedos deslizavam por ele com toda suavidade que se podia fazer. Hipnotizado fiquei, não sei quanto tempo se passou, mas aquele galho duro e molhado transformou-se em um camarote de veludo. Só lembrei que não estava no camarote admirando esse anjo cantarola quando o galho a qual havia sentado cedeu com meu peso, e cai como uma maçã madura, que por motivos banais como altura, não pode ser colhida.
Não sei quanto tempo se passou quantos dias de delírios. Quando acordei estava num quarto, muito bem decorado e amplo. Todos os cantos daquele lugar havia rosas em vasos. E com um enorme susto, vi que ao meu lado estava aquela que cantava e encantava meus pensamentos. Com um livro no seu colo, sorrindo deu-me um olá, e explicou-me toda a situação que decorreu ao cair do meu acento na arvore até o momento de agora. Explicou-me que se assustou com o barulho de minha queda e a olhar pela janela me viu desacordado no chão. Com muita dificuldade colocou-me em seu quarto e ameaçou chamar a policia, mas depois de um delírio meu, onde citava a seguinte frase “não pare de cantar anjo lindo... encante meus sonhos.” Desistiu. E em dois dias de sono pesado em seu quarto, todas as vezes que tocava e cantava ao piano, em meu rosto nascia um belo sorriso. Conversamos por muito tempo e depois de esgotar nosso dialogo ficamos em silencio por um longo tempo, apenas nos olhando, que durou até meus lábios tocarem o delas.
- Lembrei de quando você me beijou pela primeira vez – ela disse, como se lesse meu pensamento – senti-me realizada naquela noite, você nem imaginava o quanto estava nervosa, ou talvez soubesse sim – parou por um breve tempo e sorriu.
E neste breve momento, neste breve segundo que durou este sorriso, essa dádiva divina, perguntei-me se não era um anjo este meu amor. Um desenho simples e ao mesmo tempo perpetuo e longínquo. Sabe aqueles arco-íris e seus lendários potes de ouro, que tentamos encontra, mas nunca encontramos pelo simples fato de nunca encontra o fim do arco-íris. “que sorriso”. Esses lindos lábios que nesta fração de minutos de aveludados e rosados, ficam finos saindo de uma bochecha caminhando até a próxima, como se corresse para satisfazer meus desejos. E essas bochechas, como nuvens brancas e rosadas, um misto de divindade com sedução. Mas sei que de uns tempos pra cá, este sorriso ganhou um toque melancólico, uma brisa fúnebre. E quase ao mesmo tempo em que este sorriso se abriu para mim, este lábio a qual me perdia, afogaram-se em lágrimas. Lágrimas que brotavam nesses lindos olhos, que como um rio virgem, me hipnotizava como as sereias faziam com os marinheiros. Elas percorriam toda a face dela, caindo e morrendo neste sorriso, nestes lábios.
- Gosto tanto de ficar nessas noites frias sentido seu calor – ela disse ainda afogada em lágrimas.
E continuou
- Ah meu amor! – chamou-me a atenção – como sei que sempre irá amar as rosas mais do que a mim – fazendo-me raiva como sempre, mas ela sabe que se engana – trouxe esta pra você. Ame-a, pois sei que não receberam o mesmo amor que o meu e nem com a mesma intensidade. Mas saiba que ela tem um aroma doce. – então ela colocou a rosa sobre meu nome, ao lado onde me sentava.
Então se levantou uns passos a frente e virou-se. Olhando para a lua, que neste momento derramava seu mais belo brilho sobre nós. Um vento corria no laço em volta de sua cintura e em seus cabelos, fazendo que ambos dançassem harmoniosamente numa valsa angelical. Que imagem esta na minha frente. Ela sorriu, ainda olhando para cima.
- Lembra uma vez, que eu sentada ao seu lado, em uma dessas nossas noites disse que escreveria um livro de poema, pois você inspirava-me. Hoje colhi essa maldita horta. Um prêmio a qual você me inspirou.
Vi mas uma lágrima, como um rio, que perdido em uma floresta, vaga... Docemente. Iluminado pela lua, pelas estrelas. Deixando a face da minha amada úmida, assim como seus lábios, onde este rio amargo desembocava. Maldito seja esta minha existência. Ou a falta dela. Toda beleza que irradiava daquele que amava, desapareceu. De uma imagem divina, perfeita, esculpida pelos anjos tornou-se uma estatua corroída pelo tempo, onde as rachaduras e ervas escondiam sua beleza. Sua imagem se tornou o espelho do desespero. O vento que antes, era o maestro na dança dos cabelos dela, agora com um sopro leve, tentava secar as lagrimas na face dela em vão.
“Oh meu anjo... para que tanto desespero, sabe que ti amarei, sabe que dos versos que saiam dos meus lábios, dessas palavras desarmonizadas apenas procuram seus ouvidos. Assim como meus olhos apenas buscavam seu sorriso.”
Como se sem força, seus joelhos a deixaram cair, um boneco sem as cordas, pois o tempo havia tirado todas elas. Essas cordas que eram sua paixão. Tentei levantar ela, num ato de desespero, sem êxito. Então abaixei, olhei pra ela. Ela respirava rápido e profundo. Então se levantou.
- Meu amor – falou caminhando em direção ao local onde eu estava sentado – sei que sou burra. Uma idiota. Mas ti amo, e não pretendo viver sem você – em um tom choroso, mas tranqüilo. Como um lago.
Correu o dedo, sobre o meu nome, gravado naquela pedra. E como se pudesse me ver, com um tom melodioso, desesperado.
-Ti amo. E não pretendo ficar mais uma noite viva sem você.
Sua voz saiu como um silente riacho morto. Era tão maldito. Tão mesquinho seu pensamento.
Ela olhou mais uma vez para a lua. O vento parecia cantar. Ela debruçada sobre nome, percorrendo o dedo sobre as palavras, que por causa do pouco tempo escrita, ainda mantinha-se original, sem rachaduras. Cinzas, jardim de rosas mortas, ou apenas o que sobrou delas, havia ao meu lado.
Eu em pé, alguns metros atrás dela apenas admirava. Oh como não queria que isto estivesse se desenrolando assim. Como queria sentir o doce sabor deste vento que secava as lágrimas dela. Oh como queria segurar em seus braços e beijar-lhe os lábios.
Certo tempo passou. E ela ainda aconchegada, quase que imóvel.
Citando meu nome, ela adormeceu. Suas mãos leves, sobre o meu nome perderam os movimentos continuo que tinha. O vento percorria sua face, deixando rosada de frio. Seus cabelos levemente caminharam para o lado com ajuda daquele que pintava sua face rosa. Sua respiração de tão calma, parecia às vezes sumir dos pulmões.
A lua caminhava docemente sobre nossas cabeças. O vento cansado de correr por tanto tempo, acalmou. E como um anjo adormecido e caído ela continuava. Por um alguns minutos durante o sono dela, ouvi o meu nome saindo de seus lábios. Como um delírio. Apenas um sonho, apenas uma ilusão, uma mentira que caminhava com ela durante o sono. O tempo corria. A noite agonizava suas ultimas horas.
Então vi seus olhos abrirem, como um desabrochar de rosas. Pareciam cansados. Tristes. Seus olhos caminharam pelo local. Como se desejassem estar tudo ter sido um sonho ruim. Ela como sem força levantou-se. Sentou-se. Olhou para a noite, e para as estrelas que sumiam no céu, e disse:
- Voltarei.
Ficou de pé, e começou a caminhar. Percebi que tremia. O corvo este meu porteiro da noite gritou de medo sobre uma arvore. Como se descobrisse o desenrolar do que ia acontecer. Seu grito parecia ter desespero. Então ele voou para mais perto dela, para impedi-la. Mas ela apenas o olhou. Ela o admirou parada na sua frente e depois de alguns segundos voltou a caminhar. Até que sumiu atrás do portão do jardim dos esquecidos.
A noite ainda respirava na escuridão. E ainda demoraria a ir embora. Pelo menos um pouco mais de hora.
Sentindo o sabor do amanhecer, apesar de apenas uma parte da escuridão ter fugido. As estrelas, pelo menos as mais fracas e pequenas já tinha desaparecido. Restando apenas aquelas que só sumiriam um pouco antes do sol chegar. O sabor veio de um jeito diferente, como se a noite me trouxesse algo há mais agora.
E junto com os primeiros raios de luz que saíram do horizonte, junto com todo aquele calor que não podia sentir. Que quando eu estava vivo e sonhando, gostava de amanhecer esperando sentir esse calor. Mas agora não passa de uma lembrança. Mas algo naquele raio de luz estava diferente, como se um brilho a mais caminhasse na minha direção. Senti-me estranho, como se esta vida após a morte fosse trazer-me uma surpresa.
Do brilho espetacular e fantasmagórico que surgiu na luz do sol, se materializou aquela que estava apaixonado. Seu sorriso doce, belo, contagiante, procurou-me. Seus olhos pareciam triste, mais tristes que ultimamente, porém, suas lágrimas não vieram assim tão melancólicas, já que caíram num belo sorriso. Ela caminhou na minha direção. Não acreditava que ela percebia minha presença. Eu estava morto, por isso não podia sentir-me, nem olhar-me, a não ser que.
- Oi meu amor – disse ela, notei que sua altura ainda mantinha-se a mesma – não me chame de boba, não me der sermão, pois amo você.
- Também amo você.
E num campo um pouco distante, belo e iluminado pelo raio do sol, que neste momento entrava pela brecha dos galhos e folhas das arvores fazendo com que a grama verde tivesse um tom quase que brilhante. Um campo onde pássaros e borboletas voavam e dançavam por muitos dias, hoje foram surpreendidos por algo diferente.
Na grama, pegadas se faziam ser percebidas. Ignorando o silencio do local. Ignorando a beleza, indo profanar este jardim virgem, este paraíso perdido nos raios calorosos do astro-rei. Aquelas pegadas firmes. Sem sentimentos de retardação. Aquelas pegadas, a qual pés pequenos, brancos caminharam. Pés que neste momento estava há alguns centímetros do chão, sem motivos nenhum para continuar a tocá-lo. Pés que estavam frios, não pela falta de calor e sim pela fala de vida.
Aqueles olhos chorosos, brandos, claros e mortos. Olhos que transmitiam beleza e amor, olhos negros, cheios de vida. Olhos que vigiavam o mundo. Agora virados para o céu, como se pedisse clemência, como se pedisse perdão. Olhos chorosos. Olhos sem visão. Opacos.
No seio, estável, sem movimentos. O ar não percorria mais seus pulmões. Não oxigenava mais sua vida. Suas mãozinhas paradas, querendo cair ao chão. Querendo tocar a grama outra vez. Brancas. Seu vestido ainda era o mesmo do encontro na noite passada. Suas luvinhas eram a mesmas.
Somente algo fazia ser diferente, na dama vista naquela noite passada. No pescoço, não era apenas o colar com a cruz que o enfeitava. Era mais. Uma corda. Em seu pescoço, fazia-o ficar roxo. Apertando-o. Não deixando vida naquela que o colocou.
Seus lábios calados. Podia ainda sentir o cheiro, o odor das lágrimas que caíram neles. Agora essa boca, entre aberta, parecia não ter pedido socorro. Parecia apenas ter rezado. Ou apenas ter pedido para encontra seu companheiro.
A imagem que se via, a imagem que as borboletas e mariposas olhavam era uma garota, linda, que se desfez de sua própria vida. Deixou-a partir. Sem pedir para ficar. Como se algo além a esperava. A imagem que se via era uma garota, com uma corda no pescoço e na outra extremidade a corda amarrada num galho da arvore. Deixando-a alguns centímetros acima do chão. Uma imagem morta. Mas não menos bela.