Lembranças

Ao acordar naquela manhã monocromática, Isaac pensou consigo mesmo: De hoje não passa!

Pegou sua melhor roupa (ou pelo menos aquilo que ele considerava como melhor) e colocou: uma camisa meio velha de uma banda que ele gostava muito, uma calça jeans nova, preta, um tênis all-star com o bico riscado com trechos de música, uma pulseira com alguns espinhos e só. Roupa simples, mas que ele adorava. Penteou seus longos cabelos, amarrou com qualquer coisa que viu pela frente, pegou seu tocador de MP3, seu celular e sua mochila (nuca saia sem eles) e saiu. Não tinha muita certeza sobre pra onde ia, mas mesmo assim saiu.

O dia estava chuvoso, não havia nada de muito belo, pelo menos não aos olhos das pessoas normais. Mas Isaac não era muito normal. Gostava do céu assim, refletindo seu estado de espírito: Desânimo, vazio, silencioso, mórbido. Seguiu durante mais ou menos 40 minutos a pé rumo ao horizonte. Tinha sorte por ninguém na nova cidade pra onde se mudou conhece-lo. Assim, ninguém o pararia por nada. Não estava com animo de conversar. Só queria andar, ouvir música e pensar. Apesar de saber que era justamente isso (pensar) que o havia colocado naquele estado depressivo. Isaac pensava demais. Quando era pra pensar, tudo bem. Mas quando era pra agir, ai vinha o problema. Ele pensava. Não agia. E, graças a isso, passou a ver sua vida passar diante de seus olhos como se ver um carro seguir seu rumo na estrada.

Mas estava decidido. De hoje não passava! Cansou de só assistir as coisas (não) acontecerem. Decidiu tomar as rédeas do seu destino. Passou no primeiro bar aberto que viu e comprou logo 5 garrafas do vinho mais barato que havia. Comprou também 2 maços de cigarro e 1 caixa de fósforo. Não fumava, nem bebia, mas estava decidido a mudar. E decidiu começar por aí. Continuou seguindo seu caminho por mais algum tempo. Parava de vez em quando para tentar fumar, mas tudo o que conseguia era tossir e fazer pose. Mas não desistia. Era só andar mais um pouco e tentava novamente. Sempre fracassava.

As garrafas se acabaram rápidas. Isso ele sabia fazer, apesar de nunca ter bebido de verdade, sabia como fazer. E passou a seguir seu caminho. Agora, um pouco bêbado. Sua estrada o levou até fora da cidade. Uma região aonde haviam algumas míseras vacas pastando de um lado e um campo, que outrora fora verde, do outro.

Enquanto caminhava, Isaac se lembrava de sua vida: a solidão, as desgraças que passou na infância, a falta de alguém, de um amigo sincero durante toda sua pré-adolescência, a falta de alguma garota, quem quer que fosse para dizer-lhe coisas interessantes, chama-lo pra sair, convida-lo para ir tomar um sorvete, qualquer coisa! Mas não. Sempre fora o isolado, alguém sem amigos, sem companhia.

Passado algum tempo, começou a se apaixonar. A pior fase de sua vida, pelo que lembrava. Sempre que se apaixonava, era desiludido. As garotas sempre preferiam o cara "descolado", o cara "pegador", o cara sem cérebro, mas com um sorriso cínico na cara. Era assim. O cara inteligente, romântico, que moveria o mundo pela pessoa amada era sempre posto de lado. E, assim, a solidão aumentou. E tudo entrou num ciclo vicioso.

Mas agora era diferente. Tudo iria mudar. Todo o sofrimento acabaria. E ele sabia como fazer. Só precisava de coragem para fazer. E a quinta garrafa e o segundo maço de cigarros deram-lhe a coragem necessário para espantar seus fantasmas. Eram muitos. De todos os erros que havia cometido, todas as mentiras que havia contado, todas as pessoas sobre as quais não confiava, para as quais fingiu um amor e que, agora, não sentia remorso. Afinal de contas, pensava Isaac, se as pessoas não confiam em você, porque confiar nelas?

Tomou o último gole, apagou seu último cigarro na mão mesmo, gritou alto, bem alto, colocou sua alma naquilo. Sentiu a raiva dentro dele crescer, pouco a pouco e vir a tona, vir na forma de um grito, um grito de socorro, de desespero e de ódio contra tudo, principalmente contra ele mesmo. e terminou. Uma lâmina extremamente afiada passou-lhe pelos pulsos e ele sentiu todo o ódio, a depressão, a solidão, a angústia e o medo fluir junto com o sangue. Fechou os olhos e aguardou. Sabia que havia acabado.

Ele tinha 17 anos então.