PRESENTE DE NATAL

Marcelino sua esposa Cecília e filha Elisabeth esperam no aeroporto de Floriánopolis um vôo para São Paulo. O embarque foi adiado varias vezes, pois o aeroporto de congonhas está sem condições para pouso, devido às condições climáticas. Eles pretendem passar o Natal na casa de sua irmã no bairro de Moema, zona sul da cidade.São 20 horas do dia 24 de dezembro e eles ainda estão no aeroporto Hercílio Luz. A intenção da família era chegar em São Paulo Próximo das 21 horas, passar o Natal lá e retornar dia 25 à tarde para Florianópolis, mas o plano já tinha ido pelos ares, ou melhor, não tinha.Finalmente, o embarque foi liberado.Chegaram em Congonhas pouco depois das 23 horas, seria o tempo exato para chegar em Moema antes da meia noite.Havia um único táxi no ponto, andaram mais rápido para tomá-lo, acenando de longe.

Há alguns quilômetros dali, no Jardim Santa Cruz, próximo do shopping Interlagos, um grupo de rapazes admirava a moto 250 cc novinha que Luiz Roberto ganhara. Marinho, o mais deslumbrado, insistia para dar uma volta; tanto fez que conseguiu, mas com uma recomendação: não vá longe, volte logo.

O garoto sentou na moto e acelerou, a adrenalina fluía por todas as veias do seu jovem corpo. Entrou na avenida Interlagos, sentido aeroporto, e despejou cilindrada na moto.A máquina correspondia e exigia mais, ” asas da liberdade ”, como ostentavam os reclames publicitários.Os faróis colaboravam, todos verdes. No final da Interlagos, avançou pela Washington Luiz, reduziu para 60km/h, um radar a frente, e na descida para o viaduto sobre a avenida Prof. Vicente Rao, o ponteiro do velocímetro apontava 120 km/h. Fogos espocavam, iluminando o céu daquela noite de Natal. Imaginava que tudo aquilo era pra ele, festejando sua passagem vitoriosa de uma competição virtual.Passou pelo aeroporto de Congonhas disputando com os aviões; atravessou o viaduto sobre a avenida Bandeirantes a mais de 120 km/h; terminando a curva, em frente a Rede Mulher, um táxi ultrapassava um carro que estava a direita, acelerou mais a moto com a intenção de passar pelo táxi antes que ele fizesse a ultrapassagem.Não teve tempo, o pára-lama dianteiro do táxi esbarrou na traseira da moto fazendo-a rodopiar, arremessando o condutor a dezenas de metro adiante. Marinho girava no ar feito uma bola e foi se chocar contra um carro estacionado no meio fio. Sua cabeça bateu violentamente, o capacete, que a protegia, escapou e voou para longe, as luzes, que giravam ao seu redor, apagaram-se e ele ficou estirado no chão.

No aeroporto, Marcelino, Cecília e Elizabeth corriam para pegar o táxi, mas antes que chegassem, um rapaz tomou a dianteira e alocou o serviço. Decepcionados, pararam ao lado do veículo, resignados a esperar por outro. O passageiro olhou-os e, cavalheiro, cedeu a vez para a família. Agradeceram o solidário amigo, desejaram-lhe Feliz Natal e rapidamente entraram no táxi.Solicitaram urgência ao motorista, que os acalmou, explicando, que a esta hora e sendo Natal, pouco transito haveria de ter e Moema sendo tão perto, em poucos minutos chegariam lá. Pegou a Moreira Guimarães e em frente a Rede Mulher, antiga Record, ao fazer a ultrapassagem por um carro que ia lentamente pela direita, esbarrou na traseira de uma moto em alta velocidade, fazendo-a capotar, arremessando o condutor dezenas de metros adiante. O táxi estacionou no meio fio e todos correram para socorrer o motoqueiro. Ele estava desacordado com aparência de varias fraturas pelo corpo, mas ainda estava vivo. O motorista ligou imediatamente para o resgate e ficaram a espera, desesperados, temendo pela vida do rapaz.O taxista chorava, pedia a Deus que nada de mal acontecesse ao motoboy, desculpava-se, alegando que estava em baixa velocidade, olhou pelo retrovisor e não viu a moto, deu a seta e de repente, um bólido passou, só sentiu a batida, não viu nada.Cecília agachou-se ao lado do rapaz, era muito jovem, devia ter aproximadamente 16 anos. Lembrou-se de seu filho, Guilherme, que fora raptado quando tinha 2 anos e nunca mais foi encontrado. Teria agora, também, 16 anos como esse pobre garoto.Marcelino se aproximou dela, olhou-a nos olhos e entendeu seus pensamentos, abraçaram-se e ficaram olhando para aquele menino estatelado no asfalto a espera de socorro na noite de Natal. E seus pais, que ainda não sabiam da terrível tragédia que já os afligiam, deveriam estar felizes ao redor da mesa na ceia de Natal, desprecavidos da triste notícia que chegaria em breve. Ao longe se ouviu a sirene do resgate, que viera prontamente; imobilizaram a vítima rapidamente na maca, realizaram os primeiros socorros e partiram imediatamente para o Hospital São Paulo, o mais próximo dali.Eles ficaram no local aguardando a perícia, que só chegou às 5 horas da manhã. Marcelino ligou para a irmã, relatou o ocorrido, informou que pretendiam passar depois pelo hospital para ajudar no que pudessem, sentiam-se responsáveis pelo acidente. Sugeriram de alguém levar Elizabeth para casa, mas ela preferiu ficar com os pais. Os peritos informaram que o dono da moto se chamava Luiz Roberto Rodriguez, 20 anos, e liberaram a família que em breve seriam intimados para maiores esclarecimentos. Pegaram outro táxi e foram para o hospital. Lá chegando se identificaram e se ofereceram para a doação de sangue e para qualquer coisa que fosse necessário.Indicaram-lhes uma senhora de aproximadamente 40 anos e um rapaz de mais ou menos 20, que se diziam parentes da vítima. A mulher chorava muito e o rapaz se mostrava tenso e preocupado, mais do que sofrido. Aproximaram-se depois que a senhora aparentava estar mais calma e conformada. Cecília e Marcelino se apresentaram e se colocaram à disposição do Luiz Roberto para seu pronto restabelecimento. A mulher, que se chamava Geni, esclareceu que Luiz Roberto, o que estava ao seu lado, era o dono da moto, que a emprestou para seu sobrinho, Marinho, de apenas 16 anos, a razão da preocupação do dono da moto.Geni, muito faladeira, contou toda a vida do sobrinho desde a morte da irmã, quando ele tinha pouco mais de 2 anos.Teve muito trabalho para tirar seus documentos, pois a mãe se foi e não deixou nada, nem informações do tipo: cidade onde nasceu, hospital, data, nome do pai.Desde os 10 anos, ele faz hemodiálise, está na fila a espera de um doador, mas infelizmente ela é incompatível.Às 8 horas da manhã, a irmã de Marcelino e o marido foram buscá-los para descansarem um pouco.

Depois do almoço voltaram para o hospital, não iriam para Florianópolis enquanto o garoto não estivesse completamente fora de perigo.Procuraram os médicos e comunicaram a decisão muito importante que tomaram: fariam exames e se um deles fosse compatível, doaria um rim para ele.Marcaram os exames para o dia seguinte e como Marinho ainda estava impedido de receber visitas, voltaram para a casa de sua irmã.Durante a semana que precedeu o acidente, foram ao hospital todos os dias e a cada visita, sentiam que o relacionamento entre eles se tornava cada vez mais intenso, a ponto de a enfermeira ter que avisa-los que o horário de visita terminara e eles pedirem uma prorrogação para as despedidas.

No final da semana, foram chamados para uma entrevista com os médicos: o resultado dos exames estava pronto. Sentaram-se nas cadeiras, o médico abriu os envelopes, leu-os, olhou para eles enigmático, e perguntou porque os dois haviam pedido teste de paternidade. Eles se olharam confusos e Marcelino respondeu que não haviam pedido este tipo de exame. Decerto foram confundidos com outras pessoas.O médico então, averiguou os dados: Marcelino Ramos de Oliveira, RG..., CPF..., - Marcelino confirmou – e Cecília Ramos de Oliveira, RG..., CPF..., - Cecília confirmou – requerem teste de DNA para confirmação da paternidade de Marinho Souza, registrado como filho de Diva Souza e pai desconhecido.Marcelino, indignado, retrucou: não, não foi isso que pedimos.Cecília, ansiosa, com um brilho de esperança nos olhos, gritou: não importa o que pedimos, qual foi o resultado? O tempo que o médico levou para responder pareceu maior que os 14 anos de desaparecimento do filho. A resposta ficou ecoando em seus ouvidos, como sinos anunciando boas novas: 99,9...9...9...9...9...9...9...

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