Natal de Pedro e Maria
Faltavam poucas horas para o Natal.
De casaquinho vermelho, num veludo todo macio com detalhes em branco na bainha e na gola; um gorro branco, com uma fina fita vermelha a dar um laço por detrás; luvinhas de lã também na cor branca, igual às meias que lhe cobriam as fofas pernas; e um sapatinho preto em verniz. Tinha pouco mais de 6 anos.
Parecia até uma bonequinha de Natal; daquelas que olhamos na vitrine.
De mãos dadas com uma senhora muito elegante, porem, vestida muito simplesmente de um casaco de lã já usado em vários invernos, botas de couro num tom marrom, mas já bem usadas e bolsa combinando; caminhavam na tumultuada rua do centro da cidade a olhar as vitrines das lojas; o dia das compras de Natal.
Na porta de uma das lojas, um garotinho maltrapilho, aparentando seus 8 anos, vestindo apenas uma malha de lã e um gorro já com o tecido rasgado devido o tempo de uso; uma calça um pouco acima do tornozelo mostrava que já há muito lhe vestia; sapatos bem velhos, com alguns furos no solado, davam a impressão dos pezinhos gelados que sentia; estendia sua mãozinha aos transeuntes, pedindo um pedaço de pão.
Quem passava por ali, sequer notavam sua presença; desviavam, olhavam para cima, e os que mal lhe dirigiam uma atenção, simplesmente lhe viravam a face.
Por vezes, ele cruzava os braços sobre os joelhos, abaixava a cabeça e ali ficava por um tempo. Uma vez em muito, lhe caía perto uma moeda, que ele rapidamente colocava dentro do bolso. Há poucos metros dali, aquela senhora ao encontrar uma amiga que não via há muito, parou na calçada para uma breve conversa, enquanto sua filha que olhava as vitrines, reparou no menino que ainda permanecia de cabeça baixa.
Ela olhou para a mãe e sua amiga, e foi sentar-se ao lado do menino, e lhe perguntou:
- Oi. Meu nome é Maria e o seu?
Ele levantou a cabeça assustado, virou-se para o lado, e ao ver aquele sorriso ingênuo, retribui e respondeu:
- Meu nome é Pedro.
Por alguns instantes, eles se olharam com um sorriso cada um, até que Maria lhe fez outra pergunta:
- Onde você mora?
- Eu...Eu...Moro em qualquer lugar onde possa me abrigar do frio e da maldade de alguns adultos.
- Mas você não tem pai e mãe? Aquela ali de casado e botas é minha mãe. Cadê a sua mãe?
- Não tenho pai, nem mãe. (abaixa a cabeça, e deixa rolar pela face algumas lágrimas)...
Maria ficou por uns minutos calada, olhando para aquele rostinho sujo das ruas e lhe fez mais uma pergunta:
- Daqui a pouco é Natal! Onde vai passar a noite? Na rua?
Ele, com suas mãozinhas secou as lágrimas e disse:
- Para mim hoje é um dia como outro qualquer. Onde importa onde eu durmo ou não?
Ela franziu a testa e sem ter nada a dizer, chegou mais perto do garoto e colocou sua mão sobre o ombro dele, como manifestando seu carinho e apoio.
Poucos minutos depois, a mãe virou-se a procura da filha e a viu sentada ao lado de Pedro. Ela os fitou por alguns intantes, postou-se a frente dos dois e disse:
- Filha, vamos. Ainda temos de achar um presente para você.
Maria olhou para o menino, depois subiu os olhos para a mãe e disse:
- Mamãe, este é Pedro. Meu amiguinho. Podemos levá-lo para passar o Natal com a gente?
A mãe num súbito repente arregala os olhos surpresa com o pedido da filha e lhe disse:
- Filha, sabe que também passamos por necessidades, e nossa noite será muito simples, nada de muito diferente dos dias que passaram. Mal temos para nós nesta noite e o pouco dinheiro que nos restou é para comprar o seu presente de Natal.
Maria olha para Pedro, olha para a mãe e disse com olhos de esperança:
- Mãe, meu presente de Natal é que Pedro passe esta noite com a gente. Deixa mãe, deixa.
A mãe sem ter como negar um pedido tão puro, estendeu a mão ao Pedro e seguiram para casa.
No caminho para casa, a mãe pensava como seria bom ter o pai de Maria junto com eles, já que há dois anos estava desaparecido e por muitos considerado morto depois de não ter mais notícias desde que aquela guerra o levou de seu lar.
Passaram numa loja de roupas e com o dinheiro do presente de Maria, compraram uma lã nova, meias, um gorro, uma calça nova e um par de sapatos para Pedro.
Ao chegar em casa, a mãe de Maria levou Pedro ao banho o qual parecia há muito não saber o que era; vestiu-lhe as roupas novas, calcou-lhe os pés e foram para a sala onde se encontrava Maria a observar a árvore de Natal, enfeitada com arranjos feitos pela mãe. Não havia bolas nem piscas, mas estava bem enfeitada.
A mãe de Maria vai para a cozinha buscar leite e biscoitos para as crianças até que fosse chegada a hora da ceia; enquanto isso na sala, Pedro olhava algumas fotos que enfeitavam o beiral da lareira e perguntou à Maria quem era aquele homem junto dela e de sua mãe.
Maria contou que era seu pai que havia partido para a guerra e que não havia mais retornado e que ela sentia que ele estava vivo e que rezava a Deus todas as noites a pedir que ele voltasse, mas que muita gente dizia que ele estava morto.
Naquele aconchego da sala, a mãe de Maria olhava para os dois, com um sorriso brando na face, lembrando da época em que o casal pensava em ter mais um filho; que seriam uma família unida e feliz apesar de algumas dificuldades, mas com muito amor. Ela volta à realidade, levanta-se e começa a preparar a mesa para a ceia de Natal.
Sentam-se a mesa, entre olham-se e depois de um breve silêncio, a mãe de Maria pede para que se dêem as mãos em oração a Deus pela benção daquela ceia simples, mas que lhes foi permitida, quando muitos não tinham nem mesmo um pedaço de pão para comer.
Antes mesmo de começarem a se servir, Pedro se levantou, olhou para Maria e sua mãe e lhes disse:
-Você mulher, que a cada dia tem a devoção e esperança, agradecendo o pouco que tem em nome de Deus; que soube educar Maria com valores de humildade e amor; e você Maria, que me tratou como gente, quando muitos me fitaram com olhar de reprovação por não estar limpo e bem vestido, que trocou seu presente tão esperado pela minha companhia neste dia que é o meu dia, vos abençôo com a graça de Deus.
Neste momento, Pedro eleva suas mãos aos céus e um brilho surge pela lareira, invadindo todo aquele lar.
A árvore de Natal repleta de enfeites, bolas coloridas, anjos, piscas e presentes em volta; a mesa farta de alimentos, frutas frescas e secas. E Pedro continuou:
- Maria, suas preces foram ouvidas pelo meu Pai.
Naquele momento, ouviu-se um barulho de carro parando em frente a casa. Maria e sua mãe ainda surpresa com tudo aquilo, olhavam para a porta da sala, quando esta se abria e para a surpresa das duas, o pai de Maria chegara como que do nada.
Não se contendo em alegria, correram para abraçar aquele homem que esteve longe de casa por tanto tempo. Quando voltaram os olhos para a mesa, Pedro em luzes de tons branco e dourado fez-se imagem de Jesus e lentamente foi subindo até desaparecer.
Aquele Natal nunca foi esquecido. Meses após, a mãe de Maria deu a luz um menino, lindo e sadio, dando-lhe o nome de Pedro.
Alguns anos se passaram e Pedro era exatamente parecido com aquele menino que Maria levou para casa com tanto amor e carinho.