Sempre Chove no Natal ...- Série contos de Natal -1

          A chuva continuava caindo, fininha e ininterrupta, como uma boa chuva de Natal.Sempre achei que o Natal era mais Natal quando chovia, talvez porque meus mais alegres Natais tivessem sido chuvosos. Mas hoje era diferente. Chovia e eu estava triste.Da janela podia ver os letreiros luminosos e coloridos, os carros que passavam, as pessoas que andavam apressadamente, protegendo seus pacotes da chuva.

     A noite já ia alta e logo estaria na hora da Missa do Galo. Era melhor me apressar. Não queria perder a missa, aliás, nunca perdi uma, desde menininha, quando ainda morava no interior. Lembro-me muito bem,a Igrejinha branquinha, bem no alto do morro, onde um dia eu e Pedro nos casamos.

     Pedro.Não havia por que negar: ele, e só ele, era a razão de toda essa tristeza. Agora eu tinha certeza que era o fim. ele nunca mais voltaria. Hoje talvez fosse com outra à Missa do Galo, numa outra Igreja, sem guardar de mim nenhuma lembrança. Ou talvez nem fosse. Talvez um resto de pudor, talvez o próprio passado o impedisse. Além do que, a outra não era de Igrejas. Nem de Natais.

     Pedro...

    Saí, enfrentando a chuva e as lembranças. Não, não levaria minha sombrinha. Iria na chuva. Não teria coragem de usá-la novamente. Não agora, sem Pedro, não agora, no Natal.

     E, enquanto no meu rosto as lágrimas se misturavam com as gotas de chuva, o passado voltava...O-passado... partes vivas de minha vida de semimorta... O último Natal, o primeiro na grande cidade..Nenhum presente, porque era preciso economizar, tanta coisa para comprar: a televisão, as cortinas do quarto, o tapete da sala...Mas, como resistir ao impulso de presentear a pessoa amada? E acabei comprando o guarda-chuva que ele tanto precisava, pois mais de uma vez tinha chegado em casa todo molhado. E quando saímos debaixo daquela chuvinha fina para a Missa do Galo, a primeira depois de casados, quase não resisti à tentação de antecipar a surpresa. Mas consegui. Lembro bem. Como demorou a Missa naquele Natal! e como foi divertido voltar para casa , a chuva mais forte, nós dois ensopados, correndo de mãos dadas pelas calçadas, felizes como deuses...Depois, em casa, tinha sido só alegria. E aí, foi ele quem não se conteve: abriu a gaveta da cômoda e tirou de lá a sombrinha mais linda do mundo, que também tinha comprado para mim.

    A felicidade foi tanta que deu medo.Medo.Na época não sabia de que e me senti uma tola. Hoje sei. era o medo de perdê-lo, medo de ficar só. E agora o medo era realidade. Sabia que daqui para frente todos os Natais seriam tristes. Natais de chuva. Natais sem chuva. Natais sem Pedro.

    Ah!, esperava tanto um milagre esta noite!...

    Desde que Pedro se fora, eu vivia do passado. E da esperança dolorida de que ele poderia voltar. Para que eu enfim, pudesse sorrir.

    As pessoas saiam alegres da Igreja. Lá fora, a chuva continuava a cair, como uma boa chuva de Natal:
    - Não sei como você pôde sair sem a sombrinha! Passei lá em casa e resolvi trazê-la.

     Meu Deus! Era a voz de Pedro. Era Pedro. E me oferecia a sombrinha...Mas nenhum de nós quis abrí-la. rindo, ensopados e felizes, preferimos sair correndo de mão dadas pelas calçadas para comemorar nosso alegre Natal. Natal de vida. Natal de chuva. Natal com Pedro.


        ( Há muitos e muitos anos atrás, quando eu ainda acreditava em Papai Noel, uma revista feminina oferecia uma prêmio para quem escrevesse uma história de amor. Um brilhante anel de brilhante, bem pequenininho. Eu decidi ganhá-lo. Escrevi. Hoje, o anel nem me serve mais, a revista está com cheiro de papel velho,
mas a história continua do mesmo jeito. Resolvi revivê-la. Transcrevi do jeito que saiu publicada. Afinal Natal é sempre Natal. É tempo de renascer.)