Viagem Natalina pela História do Brasil
O Natal sempre foi a minha época favorita do ano por ser o momento no qual eu podia ver minha tia e minha prima, que moravam longe. Toda vez, elas viajavam para cá e nós comemorávamos a data em união. Éramos eu, minha mãe, meu pai, minha avó, minha tia e minha prima. Um dia de pura felicidade e festa. Mesmo em plenos 12 anos, essa minha preferência continuava pelas mesmas razões.
Minha prima era 5 anos mais velha, por isso, sempre foi um desafio convencê-la a brincar de algo. Adolescentes nunca querem fazer algo legal! Porém, eu nunca desisti, afinal, as crianças sempre têm um fascínio pelos mais velhos. Descobri que ela amava quebra-cabeças, então era disso que brincávamos até dar meia-noite.
Meu pai e minha avó eram os responsáveis pela cozinha. Eles dois preparavam o tão esperado bacalhau, que estava sempre delicioso! E sempre havia bebidas saborosas à disposição, como suco! E nós podíamos usar os copos mais bonitos da casa, reservados às ocasiões especiais. Era a minha definição de alegria.
Infelizmente, a pandemia mudou essa dinâmica, obviamente. Minhas parentes não vieram e as vi apenas pela videochamada. A festa, antes tão animada, nem parecia mais ter razão para uma comemoração. O ambiente triste do país só nos convidava ao luto e à reflexão. Nem foi feita a tradicional troca de presentes, simplesmente parecia não fazer mais sentido.
Encontrei pessoalmente apenas minha avó, pela janela da casa, sem nunca entrar. Era um momento muito diferente do que estava acostumada e parecia mostrar a fragilidade dessas tradições que às vezes parecem existir desde sempre. Inclusive, a alegria de estar junto da família foi logo substituída pelo desconforto de estar fora de casa.
Isso pode levar a um pensamento interessante: será que o Natal sempre foi comemorado de igual maneira? Mesmo com a minha pouca idade, eu tinha vivência o suficiente para responder um “É claro que não”. Tal conclusão despertou uma sementinha de curiosidade: como era essa festividade nos séculos anteriores?
Enquanto meus pais conversavam com minha avó pela janela e com minha tia e prima no celular, eu estava ao seu lado apenas em corpo. Minha mente estava repleta de pensamentos de outros natais, de outros tempos. Minha alma estava no Brasil Colônia.
O Natal começou a ser comemorado no Brasil no século XVII, trazido pelos colonos portugueses. Logicamente, eu não sabia disso. Ao ver-me rodeada por aquela gente, jamais imaginaria em que momento histórico estava ou quem eram aquelas pessoas. Tentei lembrar daqueles quadros do Jean-Baptiste Debret, já que as vestimentas eram muito parecidas e finalmente cheguei à conclusão da minha época atual.
Depois de caminhar um pouco pelo local, percebi que ninguém parecia enxergar-me. Isso era ótimo, porque eu era apenas uma menina perdida em um local onde escravidão era algo legalizado. Por mais alegre e confortável que fosse o ambiente, eu estava morrendo de medo do que poderiam fazer comigo.
Quando achei uma igreja, fui curiosa em direção a ela. Afinal, provavelmente estava acontecendo alguma celebração religiosa em homenagem ao nascimento de Jesus. Era algo conhecido, um porto seguro naquela confusão. Se eu pretendia aproveitar um Natal do passado, seria melhor saber o que eu estava acompanhando.
O choque foi grande, portanto, quando vi uma barraquinha de doces e salgados. Algumas mulheres estavam distribuindo gratuitamente os alimentos para as pessoas ao redor. Era mesmo Natal ou festa junina?
Não era raro onde morava haver distribuição de cestas básicas às pessoas em extrema pobreza, se isso era bom ou ruim, não sei. Porém as dimensões daquela ação eram muito fora do que estava acostumada. Havia doces e salgados, comidas parecendo deliciosas, e caras, todos na multidão pegavam aos montes, fossem mendigos ou não. Será que minha condição fantasmagórica permitir-me-ia comer um pouco?
A verdade é que quando eu olhava aquela cena, só conseguia sentir dor por saber do sofrimento daquelas mulheres as quais distribuíam o alimento, eu não tinha vontade o suficiente para importuná-las. Elas provavelmente eram escravas e, quando não estavam ali, sofriam as piores torturas. O clima alegre começou a dar-me raiva e quis logo afastar-me da capela.
Não andei muito e encontrei um presépio de lapinha sendo armado por alguns homens. O que me chamou a atenção foi a diversidade do grupo. Não parecia haver apenas escravos ali, mas também seus senhores. Estariam eles trabalhando juntos? Seria o Natal uma pausa para os maus tratos? O objetivo era permitir descanso e festa aos coitados para não se rebelarem mais para frente? Seria isso o espírito natalino de que tanto se falava nos meus tempos ou uma situação digna de revolta?
Mal tive tempo para admirar aquela cena quando quase fui derrubada por mais escravos apressados. Não era culpa deles, já que eu estava invisível. Muito pelo contrário, fiquei preocupada com a razão da pressa, o atraso lhes traria punições?
Eles pareciam carregar pesadas cestas com perus e doces. Teriam pegado da “barraca do Natal”? Curiosa, comecei a segui-los e, pela mudança na arquitetura, percebi que iam em direção a parte mais pobre da cidade. Chegando ao destino, eles pareciam anunciar com alegria que o “senhor branco” mandou presentes.
Então os senhores de escravos mandavam comida como presente aos servos? Por essa eu não esperava! Parecia evidente o quanto isso era apenas para conter rebeliões, entretanto não conseguia parar de sorrir com a explicação otimista para aquilo tudo. O espírito de Natal era apenas uma lenda na minha época, foi assassinado, contudo naqueles tempos parecia mais vivo do que nunca.
Todos pareciam realmente alegres e festeiros e logo descobri a razão de toda aquela agitação: música animada e uma encenação da Natividade no meio da praça mesmo. Quer um convite melhor para assistir? O público cantava com energia, mostrando a popularidade da ocasião. Vários animais de verdade participavam da peça e eu, como garota da cidade, fiquei encantada.
A multidão parecia fazer uma troca de alimentos simbólicos. Parecia o momento de entrega da hóstia, pois a maioria fazia troca de pães. Era realmente muito interessante ver a força daquela simbologia de remeter um “pão por Deus”. Seria isso o precursor dos presentes?
Não sei, tudo o que percebi foi que não demorou e parte do grupo dirigiu-se para dentro de uma igreja. Curiosa, resolvi segui-los. Pude escutar uns batuques e não resisti em entrar. Toda a gente dançava loucamente e o clima era tal, que logo pensei estar no carnaval. As pessoas pareciam beber bastante álcool, o que reforçava essa ideia. Eu cairia no samba, caso soubesse bailar com propriedade.
Ao mesmo tempo em que aquela multidão parecia um bloco nada natalino, eu percebia que dentro das casas aconteciam festas bem menos populares. Isso chamou muito a minha atenção, porque eu parecia estar entre os pobres e escravos. Então quem servia o baile da elite dentro daquelas mansões?
Naquele Natal, não havia neve, nem pinheiro, nem Papai Noel, nem nada de estrangeiro. Muito pelo contrário, logo reconheci as apresentações de bumba-meu-boi, nada mais brasileiro! Era uma comemoração bastante popular, mais unida, uma festa de todos, em que até os escravos tinham paz. A reunião familiar, na verdade, era com toda a cidade. Havia algo de sagrado, e também algo de vulgar. Foi a festa mais alegre na qual já estive.
Sempre foi realmente muito interessante vivenciar essas práticas de outros tempos e perceber como existiam tantas diferenças. A sociedade mudou bastante desde o Brasil Colônia, felizmente. Como será que todas essas tradições se transformaram? Qual a relação do próximo século com isso? Eu descobriria? Talvez sim, pois logo me vi no Brasil Império...
📗 Referências Bibliográficas:
https://historiahoje.com/o-natal-no-brasil-de-antigamente/
https://festa.umcomo.com.br/artigo/como-e-comemorado-o-natal-no-brasil-16399.html