DE REPENTE

Há muito tempo atrás numa pacata e pequena cidade do interior do Sertão Nordestino morava um amor de garotinha, negrinha de pele sedosa e amorosa como ninguém. Ela vivia encantando o coração das pessoas: Ynaê, filha caçula, irmã de dona Gorgulha que vivia a cantarolar – nesse tempo os pais tinham filhos quando os outros já eram adultos, hoje isso pouco acontece.

Como tudo na vida muda; ao som das músicas e muito bem querida, Ynaê cresceu e mudou. Conheceu Miltinho, seu fiel amigo, mas consigo esmoreceu. Não que Miltinho fosse triste, mas sim docinhos, carinhos e proteção deixaram de fazer parte de seu coração. Agora seus desejos cresciam e se tornavam reais, e no prelúdio em comemoração as festividades natalinas “Asa Branca”, além de ser cantada para ela, significava paixão e um desejo enlouquecedor queimando o peito sem arbitrariedades para o resigno. Queria o mundo solto para amar um menino, enquanto a ela amasse por esse mundão sem cerca todo de Deus e dos dois.

Noutro dia, no caminho até uma matinê na escola Ynaê conheceu Godofredo, menino que para ela – novo na cidade – era perfeito, mas tinha um grande defeito, que era ser namorador. Subitamente se tornaram íntimos e Miltinho não existia mais, pelo menos para Ynaê. A cada dia eles se conheciam, trocavam segredos e se beijaram pela primeira vez. Estavam sempre juntinhos conversando bem baixo no banco da praça.

Os vizinhos e amigos se chatearam, cruzaram os braços e curvaram o pescoço. Não mais careciam de oferecer-lhe carinho nem prosa, nem versos na escola, nem coca-cola no bar do Bartolomeu, pois Ynaê, apesar de apaixonada parecia menina levada que só queria falar de amor e do prazer de conviver com o baeco. E nada do que os vizinhos dissessem ou fizessem a menina se sentia abalada, e estava diuturnamente grudada na barra da calça do torengo. Cabra da peste ciumento, que não deixava livre o passeio do lado direito para nenhum marmanjo tocar o fio de lã da saia tricotada por sua mãe que presenteara Ynaê.

Certo dia solteirona e despeitada, Gorgulha pôs-se na janela a fofocar com Vivinha, a tia e vizinha despertando inversores cheios de pudores paralelos as leis do viver: “Vai embirar? É lasca ou há de sofrer? É preta com toda glória do brau essa Ynaê. Não pára de abufelar mãinha, vai abufelar a tia e o arraial sofrê. Pensa ser casa de noca, vive pra cima e pra baixo com esse ababacado, pra modo de quê?”, outra vizinha gritava: “Bamburim pebado quem jogá faz o laço, deixa o barco corrê!”

Gorgulha se apossou dos falatórios, saiu apressada até a sacada e em sua mãe foi despejar. Pobre Ynaê enamorada, ao que chegou levou palmadas e no quarto ficou a chorar, olhando as paredes cercando a sala, os três reis magos abençoando a casa, decidiu não mais ficar. Logo fugiu pela janela deixando uma carta no criado da sala onde havia um abajur.

No campo encontrou um cavalo, montou no coitado e Godofredo procurou. Ofegante e dissimulada Ynaê o beijou, abraçando-o e ao apertá-lo lhe contou: “Não podemos nos ver mais meu alvorecer. Quero muito querer, mas não poderemos mais!”.

Seus olhinhos brilhavam, sua respiração acelerada, a boca suava como uma garrafa d’água petrificada ao degelo. “Quero amar você Ynaê – dizia Godofredo, cheio de desejo e de bem-querer – não importa o que digam, não pense, só sinta o que queremos viver!”.

E no crepúsculo do nascimento de Cristo, Ynaê questionou o viver, já que o sentido se perdera só de imaginar a distância daquele que lhe trouxera um sentido e o enternecer. Os amantes se abraçaram e assim ficaram olhando um para o outro, observando a noite passar. E com repente o amanhecer não tardou, o dia logo chegou e destemida Ynaê foi à lagoa se encontrar.