A LENDA DO INVERNO ETERNO

 

Está frio... está tão frio... Ontem, deitei-me quente, feliz, sorrindo ao lado de Laura, e esta manhã acordei sentindo todo o meu corpo gelado. O vento cortante soprava pelas frestas da janela, penetrando em meu quarto e transformando cada suspiro em uma nuvem de vapor. Olhei para fora e vi uma fina camada de gelo cobrindo o mundo lá fora. Tudo parecia tenebroso e congelado.

 

Ao tentar levantar da cama, percebi que meus membros estavam endurecidos pelo frio intenso. Cada movimento era uma batalha contra o congelamento que parecia tomar conta de mim. Meu fôlego era tão visível que se misturava ao vento gelado, fazendo parecer que meu corpo estava se dissipando naquela manhã gélida.

 

Memórias do dia anterior invadiram minha mente quando tudo era tão diferente. As risadas calorosas, o sol brilhante e o aconchego no abraço de Laura. Parecia impossível que o calor de um dia pudesse se transformar em gelo tão rapidamente. Como tudo pode mudar em questão de horas?

 

Decidi me aventurar lá fora, mesmo temendo a rigidez do frio que me envolvia. As ruas que costumavam estar repletas de vida agora estavam desertas. Os pássaros não cantavam mais, as árvores estavam nuas e os jardins cobertos com uma fina camada de neve. Parecia que a natureza também estava em hibernação.

 

No caminho, encontrei o Sr. Alberto, o velho bibliotecário da cidade, tentando abrir a porta da biblioteca com mãos trêmulas.

 

— Precisa de ajuda, Sr. Alberto? — perguntei, aproximando-me.

 

Ele levantou o olhar, surpreso.

 

— Ah, Daniel! Este frio pegou todos de surpresa. As fechaduras estão congeladas — disse ele, suspirando.

 

— Deixe-me tentar — ofereci, usando meu calor corporal para aquecer a chave e a fechadura. Após alguns instantes, a porta finalmente se abriu.

 

— Muito obrigado, meu rapaz — agradeceu ele, com um leve sorriso. — Entre, vamos nos aquecer um pouco.

 

Aceitei o convite e, dentro da biblioteca, o ambiente estava ligeiramente mais quente. As paredes forradas de livros pareciam emanar um calor reconfortante.

 

— Já ouviu falar da lenda do inverno eterno? — perguntou o Sr. Alberto, enquanto preparava duas xícaras de chá.

 

— Não, nunca ouvi — respondi, curioso.

 

Ele entregou-me uma das xícaras e começou a contar:

 

— Dizem que há muitos anos, um feiticeiro lançou uma maldição nesta terra, fazendo com que o inverno nunca terminasse. Somente o calor de corações unidos poderia quebrar o feitiço e trazer a primavera de volta.

 

— Parece apenas uma história para assustar crianças — comentei, tomando um gole do chá quente.

 

— Talvez — disse ele, olhando fixamente para a janela embaçada. — Mas às vezes, as lendas carregam uma verdade que não podemos ignorar.

 

Após me despedir do Sr. Alberto, continuei meu caminho. Encontrei um pequeno café com uma chaminé soltando fumaça aconchegante. Entrei com esperança de encontrar algum refúgio do frio absoluto que me cercava. O ambiente era agradável e aquecido, e o aroma do café recém-preparado pairava no ar, trazendo conforto para minha alma congelada.

 

Sentando-me em uma mesa próxima à lareira, pedi uma xícara de café bem quente. Enquanto segurava a xícara entre minhas mãos, senti o calor penetrar em cada canto do meu ser. Era como se o café estivesse derretendo o gelo que se havia acumulado em meu corpo.

 

Uma jovem com um avental aproximou-se.

 

— Você parece ter visto um fantasma — disse ela, com um sorriso gentil.

 

— Talvez eu esteja vivendo um pesadelo gelado — respondi, tentando sorrir de volta.

 

Ela sentou-se à minha frente sem ser convidada.

 

— Sou Sofia, a dona deste café. Ultimamente, todos têm falado sobre o frio inesperado.

 

Contei a ela sobre minha conversa com o Sr. Alberto e a lenda do inverno eterno.

 

— Interessante — disse ela, pensativa. — Talvez haja algo que possamos fazer para aquecer os corações desta cidade.

 

— E o que seria? — perguntei, intrigado.

 

— Um festival! — exclamou ela, os olhos brilhando. — Podemos organizar um evento para reunir as pessoas, com música, comida quente e muita alegria.

 

A ideia de Sofia acendeu uma chama de esperança em meu peito.

 

— Acho uma excelente ideia! Conheço algumas pessoas que poderiam ajudar.

 

Passamos as horas seguintes planejando o festival. Contatamos músicos locais, artesãos e cozinheiros. A notícia se espalhou rapidamente, e logo, a cidade inteira estava envolvida nos preparativos.

 

No dia do festival, a praça central estava iluminada por centenas de lanternas. O som de risadas e música enchia o ar, e o aroma de pratos quentes despertava o apetite de todos. As pessoas dançavam, cantavam e compartilhavam histórias ao redor das fogueiras.

 

Vi Laura entre a multidão. Seus olhos encontraram os meus, e ela correu em minha direção.

 

— Daniel! Isso tudo é incrível! — disse ela, abraçando-me.

 

— Não teria sido possível sem a ajuda de todos — respondi, sentindo o calor do seu abraço.

 

Sofia aproximou-se de nós, sorrindo.

 

— Parece que conseguimos — disse ela, olhando para o céu.

 

As nuvens pesadas começaram a se dissipar, revelando as estrelas e uma lua brilhante. Um vento morno soprou pela praça, e a neve aos poucos derretia, revelando o solo fértil abaixo.

 

O Sr. Alberto surgiu ao nosso lado, com um sorriso satisfeito.

 

— Eu disse que as lendas carregam verdades — comentou ele.

 

— Talvez não tenha sido apenas a lenda — respondeu Sofia. — Mas sim o poder que temos quando nos unimos.

 

Estava frio... estava tão frio... Mas agora, com nossos corações aquecidos pelo amor, pela amizade e pela esperança, sabíamos que o gelo não duraria para sempre. A vida, assim como as estações, sempre encontra uma maneira de se renovar. E naquele momento, estávamos prontos para enfrentar qualquer inverno, pois dentro de nós ardia uma chama que poderia derreter qualquer frio.

Prof Eduardo Nagai
Enviado por Prof Eduardo Nagai em 22/11/2024
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