O SUMIÇO DO PAPAI NOEL.
Véspera de natal. Um sol pra cada um. A loja de Pet Shop em festa em razão de seu primeiro aniversário de inauguração. O gerente Atanagildo ocupado. As funcionárias ocupadas com tanta criança na loja. A fila para entrar na cama elástica. A preocupação com os menores na piscina de bolinhas. O pipoqueiro. O rapaz suando pra fazer tanto algodão doce. Sorvetes de graça. Os palhaços. A rua interditada. As promoções e prêmios. Os brindes. O gerente procurou a faxineira Zulmira. -"Nove horas. Cadê o bendito papai Noel?" A mulher pegou o celular. -"Vou ligar pra minha filha. Mundico não é de atrasar." A preocupação na voz. -"Jenifer. Cadê seu pai? A chegada do papai Noel será às dez." A ligação caiu. -"Caiu. Ele teve tempo de falar que ele saiu, de roupa de papai Noel e tudo." O gerente ergueu as mãos. -"Demorou. Espero que tenha vindo de táxi. Do morro da Arara até aqui tem chão. O impedimento da rua terminará às onze e meia. Porquê aquele ator que faz o papai Noel teve que ficar doente? Não tive tempo de contratar outro." Zulmira estava impaciente. -" Meu Mundico nunca foi papai Noel mas ele não vai pisar na bola. Esse dinheirinho vai nos ajudar." O som alto das músicas infantis e a gritaria da criançada. Duas moças, vestidas de mamãe Noel, aguardavam no almoxarifado da loja. -"Estamos derretendo nessa roupa de veludo. Cadê esse papai Noel?" Uma funcionária se ofereceu. -"Seu Atanagildo? Eu posso ser o papai Noel, posso vestir a roupa e tirar fotos com as crianças." O gerente sorriu. -"Seria espetacular, Roseli. A Zulmira levou a roupa de papai Noel pra casa, pro marido provar. Infelizmente, a roupa não está aqui." O tempo passando. Zulmira ligou pra casa. A filha não atendia. -"Ainda paguei duzentos mangos adiantado. Como fui trouxa." O gerente de descabelada. A loja anunciou a chegada do bom velhinho, nas propagandas, um mês antes. Zulmira viu o ônibus da linha 624 passar na esquina da loja. -"Se viesse de ônibus, Mundico desceria daquele coletivo. Outro, só daqui duas horas. Onde estará esse homem, meu Deus?" Ela deixou uma lágrima cair. Teve medo de perder o emprego. -"Vou avisar o DJ pra anunciar que o papai Noel não virá. Foi tomar vacina, será a desculpa. Fazer o que? Esperar um milagre.cair do céu." Ele saiu da loja. A centena de crianças na calçada e na rua em frente a loja. Um Fusca azul calcinha parou no bar da esquina. Atanagildo olhou para o céu. -"É o que estou vendo? Obrigado, meu Pai." Ele correu. O motorista do Fusca entrou no bar. -"Moço. O senhor caiu do céu." O rapaz o encarou. -"Maluco, me erra. Sou casado." Atanagildo pegou o braço do rapaz. -"Você é papai Noel. Me ajuda." O rapaz escostou no balcão. -" Cara, trampei dez horas no shopping, vou tomar uma cerveja e ir pra casa. Não te conheço e não quero conhecer. Vaza." Atanagildo foi incisivo. -"Certo. Meu papai Noel não apareceu. Sumiu, desapareceu, escafedeu-se. Aquelas crianças o esperam. Me ajuda,.pago duzentos reais por duas horas. Só tirar foto no trono " O gerente tirou a carteira do bolso. -"Eu ouvi trezentos??" Atanagildo concordou. -"Trezentos. É merecido." O rapaz guardou o dinheiro. -"Aquelas crianças esperam o bom velhinho. Sou eu. Vou pegar as botas, o gorro, a barba postiça no carro." Atanagildo o conduziu para a entrada dos fundos do PetShop. Tempo depois, a criançada vibrava com a chegada do bom velhinho. As músicas natalinas. A salva de Palmas ao papai Noel. Zulmira olhou bem. -"Não é meu Mundico. Esse é robusto." Fim de festa. Zulmira saiu às treze horas da loja. A filha Jenifer preocupada. -"Não sei, mãe. O pai não está aqui nem chegou lá." Zulmira ligou para o gerente. -"Meu Deus. Vamos pra polícia. Eu estou indo aí." Fim de tarde, Zulmira, o gerente e sua filha, procuraram por todo o bairro. Nenhum sinal de Mundico. -"Ele passou aqui, pagou a conta pendurada e tomou umas pingas. Estava hilário de papai Noel." Informou o dono do botequim que Mundico frequentava. A noite caiu. Zulmira não tinha motivos pra ceia, pra festa, pra responder votos de feliz natal nas redes sociais. Ela decidiu ir até a delegacia. -"Passe as características dele, fotos. Vamos encontrar seu esposo." Disse o delegado Fernando. Um grupo de voluntários procurava o homem vestido de papai Noel pelas ruas do bairro. De manhã, já natal, o helicóptero da polícia sobrevoa a mata. -"Falei pra seu pai colocar a roupa na sacola. Alguém achou que ele tinha valores no saco e o matou." Zulmira esperava o pior. -"Ele saiu tão feliz. Coitado." Jenifer vibrava na mesma vibração pessimista da mãe. Era meio dia quando o delegado Fernando ligou pra Jennifer. -"Achamos o homem, o papai Noel. " Zulmira entrou, tempo depois, no necrotério, acompanhada do delegado e policiais. O rapaz puxou a gaveta da geladeira. Um corpo crivado de balas. -"É ele. É o Mundico." Zulmira desmaiou. Jenifer socorreu a mãe mas não acreditou na morte de Mundico. Ela quis ver o pai. -"Não é ele. Muito parecido mas meu pai tem uma cicatriz no queixo. Esse aí não tem." A história do sumiço do papai Noel se espalhou e chegou a tevê. As fotos de Mundico na programação policial. A foto nas redes sociais. Era tarde quando uma ligação trouxe boas notícias. O delegado Fernando ligou pra Jennifer. -"Acharam o papai Noel, está em Taubaté.Esta bem." Zulmira ligou para o gerente Atanagildo. Ele acompanhou a funcionária e sua filha até a cidade longe da capital. +"Uma moça reconheceu o homem, dormindo numa praça, vestido de papai Noel. Ela ligou pra polícia e nos deu a boa notícia. É um milagre de natal." Disse o delegado a família. Zulmira estava transformada, radiante. Ela viu o marido de costas, conversando com um policial. -"Mundico?" O homem se virou. -"Zuzu." O casal se abraçou, demoradamente. Jenifer abraçou o pai. Ainda desnorteado e aéreo, Mundico estava voltando pra casa. -"Amanhã ,levaremos o nosso amigo para um hospital, fazer exames, ver se está tudo bem." Disse Atanagildo, gentil. Durante a viagem de volta, Mundico revelou que tinha tropeçado numa pedra e caído. Desnorteado com a pancada na cabeça acenou para o primeiro ônibus que viu e assim foi parar em Taubaté, pensando que estava a caminho do Pet Shop. -"Ainda é natal. Um feliz natal a todos. Hohoho " Disse Mundico, o bom velhinho. As equipes de tevê o aguardavam em frente de sua casa. FIM