A Senhora de Herleston

A mansão senhorial onde vivera e morrera Zephora Herleston e seu casal de filhos ora em litígio, ficava localizada em meio a um bosque, bem distante da azáfama do porto de Aylevard. No dia anterior, Parry Eyston enviara uma mensagem à atual Senhora de Herleston, declinando seu interesse em adquirir antiguidades, e ela respondera demonstrando curiosidade em conhecê-lo.

Quando o visitante foi introduzido na ampla sala de jantar da mansão, Dorithie o aguardava à cabeceira de uma mesa para vinte convidados, ladeada por um casal de criados de pé. Eyston localizou de imediato o quadro do qual falara Alban Herleston, pois estava pendurado exatamente por trás do assento onde se encontrava a dona da casa. Não parecia uma obra digna de nota, apenas uma natureza morta com frutas nativas de Duscoyna dentro de uma tigela de metal sobre uma mesa coberta por uma toalha adamascada amarelada, contra uma parede escura.

- Senhora - aproximou-se Eyston, curvando-se numa mesura.

- Que negócios o trazem à Aylevard, senhor Eyston? - Indagou a Senhora de Herleston, que parecia ser dez anos mais nova do que o irmão, mas apresentava a mesma expressão severa.

- Conforme explanei em meu pedido de visita, sou comerciante de antiguidades - redarguiu Eyston. - Costumo visitar casas senhoriais em busca de itens que possa revender em outras localidades; fui informado do passamento de sua estimada mãe - que a Rainha dos Céus a receba e mantenha - e imaginei que talvez quisesse desfazer-se de alguns itens de menor valor sentimental.

Curiosamente, Dorithie Herleston sequer piscou ao ouvir a fórmula religiosa, parecendo mais focada em analisar as palavras ditas pelo visitante. Fez um aceno afirmativo de cabeça e depois ergueu o braço, indicando o quadro na parede atrás de si.

- Algo como aquele quadro ali na parede, por exemplo? - Perguntou em tom relaxado.

Pego de surpresa, Eyston tentou fazer parecer que estava vendo o objeto pela primeira vez.

- Bem... terei que examiná-lo para avaliar o preço, senhora.

- Fique à vontade, senhor Eyston - replicou Dorithie Herleston. Ao lado dela, os criados mantinham-se impassíveis e silenciosos.

Eyston aproximou-se do quadro, contornando a mesa. Dorithie Herleston virou-se na cadeira para observá-lo; os criados continuaram de costas, como se o assunto não lhes dissesse respeito.

O quadro, pintado a óleo, parecia tão inexpressivo visto de perto quanto parecera à distância. A moldura dourada estava manchada e enegrecida em alguns pontos, o que denotava o tempo em que estivera pendurada ali. Eyston voltou-se para a Senhora de Herleston e mentiu:

- É uma bela pintura, senhora; quanto quer por ela?

- Por dez coroas, ela é sua.

Não era uma quantia exorbitante, por uma obra sem referências. Eyston balançou a cabeça, em concordância.

- Vou levar - declarou.

* * *

Naquela noite, Parry Eyston foi recebido por um ansioso Alban Herleston, óculos na ponta do nariz. Ele rasgou o embrulho do quadro sobre a secretária da biblioteca, e acariciou a superfície da tela empoeirada. Em seguida, virou-se para Eyston, ajeitando os óculos.

- Dorithie lhe ofereceu o quadro assim que o senhor entrou na sala? - Inquiriu.

- Precisamente - confirmou Eyston. - E me cobrou apenas cinquenta coroas por ele.

"Já que, obviamente, vale muito mais", pensou consigo mesmo.

- Pois temos um problema - disse Herleston. - O quadro é falso.

[Continua]

- [16-06-2021]