O GATO PRETO

Faziam-se três dias que Gabriele não conseguia pegar no sono. Era só nisto em que ela pensava, quando terminou seu expediente na cafeteira esta noite. Virou a esquina, enquanto um vento congelante escoava na rua; sentiu um arrepio da ponta dos pés à cabeça, e, uma sensação inominável lhe tirava a atenção.

Na noite anterior, Gabriele havia pernoitado por não conseguir dormir. Assistiu Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban, e, depois leu metade do livro O homem de Giz, de C.J Tudor. E decidiu que terminaria a leitura esta noite, caso não conseguisse dormir novamente.

Ao chegar em sua casa, deu de frente com um gato preto, de olhos arregalados e amarelos, assentado em cima do tapete lilás.

Gabriele parou abruptamente.

O gato com os olhos fixados aos seus, continuou imóvel, como se estivesse olhando para dentro de Gabriele – para sua alma. E não só, para seus olhos castanho-claro, ou, para sua forma física. Novamente, Gabriele sentiu seu corpo congelar totalmente, seu coração disparou, e então, o gato miou inesperadamente, e sumiu pelos arbustos.

Depois do maravilhoso banho quente, certificou que a porta da frente estava bem traçada – e estava! Foi então que resolveu ir definitivamente para o quarto, estava muito cansada do serviço e só desejava se jogar na cama e dormir – e foi o que aconteceu.

Gabriele dormiu.

***

Talvez nem ela imaginasse que chegaria em casa e simplesmente pegaria no sono. As três noites anteriores, não fora assim. Mas Gabriele estava dormindo, talvez por conta do cansaço, ou por conta de um milagre; o motivo não importa, visto que, entretanto, Gabriele estava dormindo.

***

Gabriele entrou num sonho profundo, e via um homem de capa preta e sorriso lascivo, rodeando uma garota amarrada em uma árvore. A garota expressava terror em seus olhos, e principalmente, – MEDO! Gabriele tentava entender toda aquela situação: quem era o homem de capa preta? Quem era a garota? Por que eles estavam ali? Não tinha respostas para todos aqueles porquês! Porém, viu um ser aterrorizante se aproximar da garota amarrada, e Gabriele conhecia – era o mesmo gato que havia visto sentado em seu tapete. Quando ela olhou novamente para a garota, viu a si própria, era ela que estava amarrada agora. E desta vez, o gato vinha em sua direção. O homem de capa preta que sempre esteve ali, parecia distante como um mero espectador, contudo, estava visivelmente entusiasmado com tudo aquilo. E Gabriele muito mais assustada.

O gato lentamente se movia em sua direção, deixando um terror estampado em seu rosto. Aquilo não era só um grande pesadelo que estava vivendo, mas também, um Déjà Vú, que lhe trazia a memória o mesmo pesadelo que havia lhe atormentado nos seus sete anos de idade. Quando o gato estava próximo de lhe atacar o rosto, como fizeram no sonho quando criança, Gabriele caiu em si.

“É um sonho” disse a si mesma, e então acordou.

Depois de alguns minutos acordada, lembrou-se de olhar o relógio na parede, eram 03h00min, o que significava que não havia dormido quase nada. Foi até a cozinha e bebeu um pouco de água, depois se dirigiu até a janela onde um galho da árvore riscava o vidro produzindo um som irritante. Gabriele viu novamente o gato preto, mas desta vez, estava de costas para ela, olhando em direção ao Jardim, onde jogara às cinzas de seus pais que haviam morrido três anos atrás, num inexplicável acidente de carro. Gabriele continua olhando para o gato, até que de forma surpreende, ele se virou para ela. Como se possuis-se algum tipo de magia , ou, como se percebera que estava sendo observado. Gabriele soltou um grunhido sufocado de medo, e se escondeu. Quando tomou coragem, olhou novamente pela janela, porém, o gato já não estava mais lá. Simplesmente havia sumido.

Aquilo foi o suficiente para ela voltar para cama. E, ao entrar no quarto ouviu a explosão do trovão e se assustou, não demorou nem um minuto e a chuva caiu. Gabriele deitou-se observando a claridade que os relâmpagos e trovões produziam lá fora. Tirando quando era criança, nunca havia sentido medo de trovões, mas esta noite era estranha, o clima era diferente que chegou ao ponto de nem saber como nomeá-los.

Gabriele acalmou-se e fechou os olhos tentando dormir. Entrementes, sentiu um aperto no coração e abriu os olhos. Elevou o olhar para frente e deparou-se com um homem parado próximo a cama, cujo o sorriso lhe esfriou a alma. Era o mesmo homem do sonho: – os mesmos dentes salientes, o mesmo olhar vermelho de tormenta. Gabriele tentou mover-se, mas não conseguiu, tudo parecia paralisado: seus braços, suas pernas. Até mesmo sua voz havia sumido. Tentou gritar, mas sua voz era inaudível, como se estivesse em um filme mudo.

Ela já havia vivido aquilo, apesar de assustador e horripilante, Gabriele sabia o que estava acontecendo... “paralisia do sono” disse a si mesma. Ela só não entendia por que a porta do inferno se abriu em sua casa. Também não compreendia o porquê de não conseguir libertar-se de tudo aquilo.

Seu coração parecia que ia sair pela boca. Seu corpo vibrava e, aqueles olhos vermelhos dava-lhe impressão que levaria sua alma. “Por que eu matei aquele gato?” se perguntava agora.

Gabriele fechou os olhos e lembrou-se das palavras de seu pai que sussurrava em seu ouvido: – Não tenha medo! O medo é uma doença...

Quando as lágrimas surgiram, Gabriele saiu do transe e, estava liberta novamente. No momento em que a chuva cessou, Gabriele ajoelhou-se aos pés da árvore onde enterrara seu gato e, acendeu uma vela com um vislumbre de que não mais o veria.

Ari Poeta
Enviado por Ari Poeta em 01/03/2021
Reeditado em 23/04/2021
Código do texto: T7196169
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